quarta-feira, 13 de julho de 2022

TURNING POINT (1969)

 


Lembro-me de outras noites tão ou mais quentes do que esta. No Verão em Melides, a tentar dormir no alpendre com uma mangueira a meu lado para me ir refrescando de meia em meia hora. Ou no terraço da pensão Afrodite, em Atenas, deitado entre uma dúzia de desconhecidos a beber cerveja mole e a fumar charros. És português? Sou. Senta-te aqui, junta-te a nós, vamos fazer a revolução. Muitos anos antes, ainda sem barba, deitava-me debaixo da cama da tia Elvira na Sobreda, o lugar mais fresco do apartamento porque ali passava uma corrente de ar vinda sei lá de onde. A casa de Lisboa também é quente. Passados oito Verões naquela sauna a ouvir Lonnie Smith com ventoinhas apontadas ao rosto, tudo se aguenta. Do que não me lembro é de tanta anfibologia moral à solta. Estas redes sociais que nada prendem, tudo arrastam para um abismo de parvoeira e canalhice, podiam ser o último reduto de uma liberdade do dizer, não fossem portas escancaradas à sonsice e à calúnia e a esse gosto de jogar às escondidas que certos adultos conservam de infâncias certamente infelizes. Só arde o que não deve. Os jornalistas atrapalham para conseguir a fotografia viral, o plano ideal, que espíritos néscios e mentes pérfidas se encarregarão de comentar e partilhar à exaustão até começarem a queixar-se do frio com o bandulho cheio de porcarias que para nada servem. Lembro-me de dias quentes como este, não me lembro é de tanto discernimento em chamas, de tanto bom senso em cinzas.

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