LIVRO III, 58
A quinta, Basso, do nosso amigo Faustino em Baias,
não se dispõe em murtais improdutivos,
em plátanos viúvos e em buxais tosquiados;
não ocupa as vastas extensões de uma planura ingrata,
mas alegra-a o campo autêntico e selvoso.
Aqui se topa com a farta Ceres a cada canto
e muitas ânforas exalam o odor dos produtos outonais envelhecidos pelos anos;
aqui, passados os novembros, já no limiar do inverno,
o podador hirsuto transporta as uvas tardias.
No fundo vale, mugem os touros bravios
e o vitelo, de fronte ainda inerme, anseia pela refrega.
Vagueia toda a turba da sórdida cortelha,
o ganso estrídulo e os variegados pavões
e a ave que deve o nome às penas vermelhas
e a perdiz pintalgada e as galinhas pedreses da Numídia
e os faisões dos ímpios Colcos;
soberbos galos cobrem as fêmeas de Rodes;
ressoam os pombais com o bater de asas das pombas,
arrulha de um lado o pombo-bravo, do outro, a rola de cor de cera.
Seguem o avental da caseira os porcos ávidos
e o tenro cordeiro espera a mãe de gordas tetas.
Os escravos da casa, de tez cor de leite, rodeiam uma agradável lareira
e a frondosa ramagem flameja, nos dias de festa, diante dos Lares.
O indolente despenseiro não empalidece em langoroso ócio,
e nem o untado palestrita gasta o óleo,
mas a rede matreira estende-se sobre os ávidos tordos,
ou a linha trémula arrasta o peixe apanhado
ou captura o gamo, enredado nas armadilhas.
O horto produtivo exercita e alegra os escravos da cidade;
e, sem pedagogo que lhes dê ordens, os jovens brincalhões,
de cabelos compridos, alegram-se por obedecerem ao quinteiro;
e até o efeminado eunuco se compraz no trabalho.
E o camponês não vem, de mãos vazias, saudar o patrão:
um traz os claros méis com sua cera
e um cone de queijo da boscosa Sásina;
outro apresenta-te os arganazes sonolentos,
este, o rebento a vagir da mãe peluda;
o outro, capões obrigados a ignorar o amor.
E os presentes das mães, em vime entrelaçado, te apresentam
as alentadas moças, filhas de camponeses honrados.
Findo o trabalho, convida-se o alegre vizinho;
e nem uma mesa avara guarda os alimentos para o dia seguinte,
saciam-se todos e até o escanção, de farto,
não sabe o que é invejar o comensal já ébrio.
Mas tu, nas abas da cidade, possuis uma casa em que se passa uma fome elegante
e de alta torre avistas apenas os loureiros,
em segurança, pois teu Priapo não teme o ladrão;
e nutres o vinhateiro com o trigo da cidade
e, no jeito dos ociosos, levas para a tua quinta, coberta de pinturas,
legumes, ovos, frangos, frutos, queijo e vinho.
Casa de campo é o que deve chamar-se a esta ou casa afastada da cidade?
Marcial, in Epigramas, Vol. I, tradução de Paulo Sérgio Ferreira, introdução e notas de Cristina de Sousa Pimentel, Edições 70, Março de 200, pp. 148-150.
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