sexta-feira, 11 de novembro de 2022

ONZE

 
   11. Das férias guardo, antes de mais, as barrigadas de berbigão apanhado na lagoa, ao qual juntávamos, no regresso, mancheias de caracóis roubados às ervas. Foi antes de nos interditarem as mãos. Guardo visitas esporádicas ao extenso areal da Figueira da Foz, a neblina sobre o paredão infindo de Peniche. Temporadas com uma tia na Sobreda, onde o sol apertava e os vizinhos discutiam como era raro ouvir-se. Iogurte caseiro e as melhores bolas de Berlim. Acima de tudo, guardo a Nazaré. Era um mar diferente, de ondas que traziam os olhos enrolados em marés de fantasia, perseguindo tardes inteiras o funicular do promontório, miúdos e graúdos besuntados de uma lama cinzenta que diziam fazer bem aos ossos e à pele e mais maleitas que houvesse. Foi antes dos records na Praia do Norte, onde nunca molhámos os pés por se dizer andar por lá gente nua. Em compensação, fui certo dia a uma esplanada e sentei-me a beber um Ginger Ale. Como explicar hoje às filhas quão fantástico era, naquele tempo, poder sentar-me uma esplanada a beber o que só os ricos bebiam? Até gelo tinha, e uma rodela de limão. Ó miséria, traga-me de uma vez para sempre esta recordação de me haver sentido especial por beber Ginger Ale numa esplanada com vista para o mar.

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