sábado, 12 de novembro de 2022

DOZE

 
   12. Tenho de recuar, dar alguns passos atrás, suponho que até ao ano de 1983. Aconteceu qualquer coisa grave e não percebo o quê. Minha mãe exibe um semblante pesaroso, meu pai soluça. Foi a primeira vez que o vi chorar. Metem-me num carro e vamos à terra, a aldeia onde se conheceram e deram início a uma vida conjunta até que a morte os separasse. Estamos nas imediações da moradia de meus avós paternos. Fecham-me dentro do carro. Chove. Há pessoas a entrar e a sair de casa. Tento desembaciar os vidros com as mãos para poder espreitar, tentando compreender a realidade escondida por detrás dos vultos. Quando somos crianças protegem-nos da morte omitindo-a, desviando-nos do assunto, falando de estrelas no céu e confundindo a percepção inevitável do fim. Já no interior do carro funerário, escuto a meu pai o lamento: “ai rico filho, já não tens nenhum avô”. Não cheguei a conhecer um deles, foi colhido pela doença antes de eu sequer sentir o cheiro a ramos de buxo que atravessa o mundo perfumando-nos logo à nascença. Só uma década depois encontrei explicação para o sucedido nuns versos de Grabato Dias: «Estar vivo é estar à morte / Cativo de um Plim! da sorte.» Às vezes engano-me e digo deus em vez de Plim! Vai dar ao mesmo.

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