12. Tenho de recuar, dar alguns passos atrás, suponho que até ao ano de 1983. Aconteceu qualquer coisa grave e não percebo o quê. Minha mãe exibe um semblante pesaroso, meu pai soluça. Foi a primeira vez que o vi chorar. Metem-me num carro e vamos à terra, a aldeia onde se conheceram e deram início a uma vida conjunta até que a morte os separasse. Estamos nas imediações da moradia de meus avós paternos. Fecham-me dentro do carro. Chove. Há pessoas a entrar e a sair de casa. Tento desembaciar os vidros com as mãos para poder espreitar, tentando compreender a realidade escondida por detrás dos vultos. Quando somos crianças protegem-nos da morte omitindo-a, desviando-nos do assunto, falando de estrelas no céu e confundindo a percepção inevitável do fim. Já no interior do carro funerário, escuto a meu pai o lamento: “ai rico filho, já não tens nenhum avô”. Não cheguei a conhecer um deles, foi colhido pela doença antes de eu sequer sentir o cheiro a ramos de buxo que atravessa o mundo perfumando-nos logo à nascença. Só uma década depois encontrei explicação para o sucedido nuns versos de Grabato Dias: «Estar vivo é estar à morte / Cativo de um Plim! da sorte.» Às vezes engano-me e digo deus em vez de Plim! Vai dar ao mesmo.
sábado, 12 de novembro de 2022
DOZE
12. Tenho de recuar, dar alguns passos atrás, suponho que até ao ano de 1983. Aconteceu qualquer coisa grave e não percebo o quê. Minha mãe exibe um semblante pesaroso, meu pai soluça. Foi a primeira vez que o vi chorar. Metem-me num carro e vamos à terra, a aldeia onde se conheceram e deram início a uma vida conjunta até que a morte os separasse. Estamos nas imediações da moradia de meus avós paternos. Fecham-me dentro do carro. Chove. Há pessoas a entrar e a sair de casa. Tento desembaciar os vidros com as mãos para poder espreitar, tentando compreender a realidade escondida por detrás dos vultos. Quando somos crianças protegem-nos da morte omitindo-a, desviando-nos do assunto, falando de estrelas no céu e confundindo a percepção inevitável do fim. Já no interior do carro funerário, escuto a meu pai o lamento: “ai rico filho, já não tens nenhum avô”. Não cheguei a conhecer um deles, foi colhido pela doença antes de eu sequer sentir o cheiro a ramos de buxo que atravessa o mundo perfumando-nos logo à nascença. Só uma década depois encontrei explicação para o sucedido nuns versos de Grabato Dias: «Estar vivo é estar à morte / Cativo de um Plim! da sorte.» Às vezes engano-me e digo deus em vez de Plim! Vai dar ao mesmo.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário