quarta-feira, 26 de abril de 2023

MÉDIA RELES

Não precisávamos do que aconteceu ontem, até porque vem sendo assim desde há muito, para sabermos que a luta da democracia em Portugal, neste momento, se faz também, talvez sobretudo e paradoxalmente, contra uma televisão sensacionalista e populista que tudo transforma em espectáculo, estendendo a passadeira ao discurso de taberna que lhes garante audiências como qualquer outro medíocre programa de entretenimento. Os jornalistas ao serviço das televisões portuguesas, na sua imensa maioria, deixaram de ser veículos de informação para se transformarem em peões num tabuleiro que tem como fim único as audiências, são participantes de um reality show cujo argumento é recortado e costurado nas redacções ao serviço da espectacularidade dos fenómenos. Isto ontem foi evidente, com os microfones permanentemente apontados na direcção de uma manifestação completamente irrelevante no contexto daquilo que representava no dia em causa. O protagonismo oferecido a uma das forças políticas, aquela que é clara e declaradamente anti-25 de Abril, não foi só desproporcional, foi claramente intencional. Eles, o Chega, são o momento de pornografia que captura atenções, são o desastre que toda a gente pára para observar, são os corpos carbonizados de Pedrogão e os afogados de Entre-os-Rios, são o maná de uma comunicação social ávida de espectáculo e de sensação e de emoções fortes e de situações limite. O jornalismo, poder também ele vítima do Estado Novo, coloca-se agora ao lado dos saudosistas desse mesmo regime que censurava, perseguia, prendia, torturava, matava, para capitalizar tempo de antena enchendo os bolsos do patrão para quem esta gentalha actua. Tudo se liga primorosamente, não tivesse Ventura sido fabricado num canal de televisão a comentar futebol e não fosse o Presidente Marcelo outro desses produtos made in TV. Isto é assim por uma única razão: sensacionalismo. O que redunda em audiências, publicidade, dinheiro. A informação que se quilhe. Chegado a casa, ainda tive de gramar com os comentários de uma tal Helena Matos, enrodilhada em teses rebuscadíssimas para justificar o comportamento burgesso e grunho dos deputados do Chega na AR. Há sempre gente disposta a fazer o servicinho, o que poderia espantar é essa gente ter lugar cativo nas televisões. Não espanta. Também eles alimentam o espectáculo, enquanto hoje de manhã milhares foram trabalhar no duro sem que um reles segundo tivesse sido prestado às suas causas, sejam elas as do desemprego, da habitação, da educação, da saúde, da inclusão. Tudo pormenores ao pé de porcos a grunhirem numa AR transformada em pocilga.

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