Não precisávamos do que aconteceu ontem, até porque vem
sendo assim desde há muito, para sabermos que a luta da democracia em Portugal,
neste momento, se faz também, talvez sobretudo e paradoxalmente, contra uma
televisão sensacionalista e populista que tudo transforma em espectáculo,
estendendo a passadeira ao discurso de taberna que lhes garante audiências como
qualquer outro medíocre programa de entretenimento. Os jornalistas ao serviço
das televisões portuguesas, na sua imensa maioria, deixaram de ser veículos de
informação para se transformarem em peões num tabuleiro que tem como fim único
as audiências, são participantes de um reality show cujo argumento é recortado
e costurado nas redacções ao serviço da espectacularidade dos fenómenos. Isto
ontem foi evidente, com os microfones permanentemente apontados na direcção de
uma manifestação completamente irrelevante no contexto daquilo que representava
no dia em causa. O protagonismo oferecido a uma das forças políticas, aquela
que é clara e declaradamente anti-25 de Abril, não foi só desproporcional, foi
claramente intencional. Eles, o Chega, são o momento de pornografia que captura
atenções, são o desastre que toda a gente pára para observar, são os corpos
carbonizados de Pedrogão e os afogados de Entre-os-Rios, são o maná de uma
comunicação social ávida de espectáculo e de sensação e de emoções fortes e de situações
limite. O jornalismo, poder também ele vítima do Estado Novo, coloca-se agora
ao lado dos saudosistas desse mesmo regime que censurava, perseguia, prendia,
torturava, matava, para capitalizar tempo de antena enchendo os bolsos do
patrão para quem esta gentalha actua. Tudo se liga primorosamente, não
tivesse Ventura sido fabricado num canal de televisão a comentar futebol e não
fosse o Presidente Marcelo outro desses produtos made in TV. Isto é assim por
uma única razão: sensacionalismo. O que redunda em audiências, publicidade,
dinheiro. A informação que se quilhe. Chegado a casa, ainda tive de gramar com
os comentários de uma tal Helena Matos, enrodilhada em teses rebuscadíssimas
para justificar o comportamento burgesso e grunho dos deputados do Chega na AR.
Há sempre gente disposta a fazer o servicinho, o que poderia espantar é essa
gente ter lugar cativo nas televisões. Não espanta. Também eles alimentam o
espectáculo, enquanto hoje de manhã milhares foram trabalhar no duro sem que um
reles segundo tivesse sido prestado às suas causas, sejam elas as do
desemprego, da habitação, da educação, da saúde, da inclusão. Tudo pormenores
ao pé de porcos a grunhirem numa AR transformada em pocilga.
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