segunda-feira, 7 de agosto de 2023

A PRIMEIRA MORTE DE FLORBELA ESPANCA (fragmento)

 


(...)

PSICOPOMPO
Querem fazer da Terra um lugar tão morto como o Céu. Entre um cartaz de publicidade e uma página de catecismo não há diferença.

FLORBELA
As labaredas do Inferno lambem hoje a Terra de ponta a ponta. As narinas dos Diabos trabalham nesses canudos metálicos que expelem com sarcasmo, dia e noite, nuvens de peçonha. Vamos morrer todos sufocados em lixo e veneno dentro de alguns anos.

PSICOPOMPO
A tua lira contribuirá para amansar as feras. Os homens saberão corrigir os seus erros e aprenderão uma lição de Amor ao próximo com a tua vida e as tuas palavras.

FLORBELA
O mundo parece caminhar para um fim horrível.

PSICOPOMPO
Tu és a revolta e a esperança. Deixa aos que hão-de vir um sinal de que ainda há quem se apoquente por uma andorinha.

FLORBELA
Tenho saudades da vida e da Terra. Dou tudo para poder voltar a olhar os olhos de um bicho, ou um regato de água límpida a correr. Mas quantas vezes ainda morrerei? Quantas renascerei?

PSICOPOMPO
Tantas como as saudades que sentires.

FLORBELA
Que queres dizer?

PSICOPOMPO
Que és eterna e imortal como a Saudade.

(...)

António Cândido Franco, in A Primeira Morte de Florbela Espanca, Editora Licorne, 2009, pp. 56-57.

1 comentário:

sonia disse...

Que privilégio poder ler isso!:)