segunda-feira, 18 de setembro de 2023

DIDASCÁLIA

 
Há dias estive a ver videoclipes da Maria Leal no YouTube. Impressionaram-me as produções, que não devem ser baratas. Alguém ouve Maria Leal? Quem serão os fãs da Maria Leal? Ela desafina como o Zé Cabra, mas num tempo em que há programas para disfarçar a desafinação. No tempo do Zé Cabra não estavam tão acessíveis nem eram tão competentes. Talvez a Maria Leal não pretenda disfarçar, talvez a razão do seu sucesso (algum há-de ter, tantos são os vídeos e as canções) seja a desafinação, tal como o anti-lirismo que acompanha arranjos musicais de uma pop electrónica sofrível, diria mesmo indigente, a puxar para a dança. A Maria Leal não dança, faz simulações sexuais com o corpo que deixam qualquer pessoa de bom senso com vontade de não ter corpo. Tudo aquilo é pindérico, piroso, nem chega a ser feio, é só deselegante, degradante, e no entanto aí anda a inspirar likes e partilhas. Não é grotesco, é mesmo reles. Suponho que dê concertos e que o "puro gozo" seja a razão de os dar, aquele gozo que dantes as pessoas encontravam nas feiras de aberrações. As letras da Maria Leal falam de noitadas, de sexo, de relações amorosas, e têm didascálias como esta: "(Pausa para danças sexys às batidas sexys)". Confrontado o trecho com a encenação, ficamos a perceber a noção de sexy nesta artista popular com intenções dramáticas que escapam à nossa inteligência. Fenómenos como este não são raros, repetem-se, com maior ou menor adesão popular, e fazem-nos pensar como o sentido do gosto tantas vezes sucumbe ao prazer de dar nas vistas, mesmo que pelas mais inestéticas razões.

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