segunda-feira, 4 de setembro de 2023

UM POEMA DE DIANA BELLESSI

 


O FIM DO DIA
 
Bem-vindo silêncio meu amigo
à obscura noite que apazigua
o rumor do vento como um guerreiro
cuja fúria dança entre as árvores
 
e sem vê-lo eu vejo-o limpar
o ruído da mente catatua
ensimesmada no seu grasnido brutal
e monocórdico e vós meu silêncio
 
adaga trovão do monte que rasga
a sujidade acumulada as crostas
sobre o frágil instinto morrendo
de pura sede por essa atenção
 
onde eu desapareço salvo
na função de tornar tenso o sentido
do visível e a sua inesgotável
fortuna perto de deus
 
silêncio traído nosso amigo
no vendaval obscuro do dia
disposto vá lá saber-se a quê
onde a alma se perde como um piolho
 
na cabeleira turva do mundo
 
Versão de HMBF a partir do original coligido por Marta Ferrari, in “Antología – La poesia del signo XX en Argentina”, vol. 7 da colecção La Estafeta del Viento, dirigida por Luis García Montero e Jesús García Sánchez, Visor Libros, 2010, p. 397. Diana Bellessi nasceu a 11 de Fevereiro de 1946 em Zavalla, na Argentina. Estudou filosofia. Entre 1969 e 1975 percorreu o continente sul-americano a pé. Foi coordenadora de cursos de escrita nas prisões de Buenos Aires, foi uma das fundadoras da cooperativa editorial Nusud e traduziu várias poetas, entre as quais a portuguesa Sophia de Mello Breyner. Estreou-se em livro no ano de 1972, com “Destino y propagaciones”. É hoje considerada uma das mais relevantes poetas argentinas, autora de uma poesia ao mesmo tempo intimista e comprometida, fortemente ligada à capacidade de observação do mundo e de extraordinária sensibilidade.

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