quarta-feira, 13 de setembro de 2023

UM POEMA DE JORGE FAZENDA LOURENÇO

 


Lapsus Calami.

neste meu desespero de mim
que é eu ser na minha vida
(ou eu por ela), nesta mistura
ácida que não acredito
.. ... ...... .. ... .. ....
neste de nada querer tudo sem importar-se
neste poder não ser que em palavras de outros
nesta vida emprestada a sílabas
neste querer sem poder inimizar-me
sem que eu possa ser de mim o meu amigo
neste não saber ser eu que através dos demais
nesta solidão impossível de ser em silêncio
neste ser que nunca chega a verbo estar
nesta língua que nem isso me concede
neste ser difícil de uma facilidade despudorada
neste nada que não é apenas restos
pedaços indestrutíveis pedaços sem encaixe
bocados de restos que não podem vir a ser
eu não disse logo no indício
meu mário de sá-caneiro
nem o oiro nem a ausência dele.

Jorge Fazenda Lourenço, in Uma Surda Cegueira, Fora do Texto, Setembro de 1990, p. 47.

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