quarta-feira, 15 de novembro de 2023

ANTIGONICK, DE ANNE CARSON

 


ANTIGONICK
Anne Carson
 
15 a 25 de Novembro, às 21h30
19 de Novembro, às 16h
 
Pequeno Auditório do CCC
M/14
 
    Pela primeira vez levada à cena em Portugal, “Antigonick”, de Anne Carson, será a terceira e última produção teatral do Teatro da Rainha para 2023. Com tradução e dramaturgia de Isabel Lopes e encenação de Fernando Mora Ramos, este espectáculo dá continuidade a um trabalho persistente de aproximação ao teatro grego antigo, segundo perspectivas contemporâneas, que a companhia sediada em Caldas da Rainha vem promovendo desde há muito. Com estreia marcada peara o Pequeno Auditório do CCC, “Antigonick” por certo surpreenderá pela linguagem onde antigo e moderno se misturam e equilibram sem perda de sentido, pela introdução de uma personagem, o Nick de “Antigonick”, que não consta do original, pela absoluta pertinência dos temas tratados e pela extraordinária ironia da Autora canadiana.
   Prestigiada professora de grego antigo, várias vezes indicada para Prémio Nobel da Literatura, Anne Carson oferece-nos nesta tradução resumida da “Antígona” de Sófocles uma versão com claros institutos pedagógicos. Serve ela também de introdução a realidades distantes no tempo, mas próxima nas matérias abordadas: o direito à desobediência civil, a oposição entre diversas formas de Estado (da tirania à democracia, passando pela anarquia), o valor ético e moral das acções, o problema da liberdade na sua relação com o destino, a emancipação feminina, a justa medida nas acções humanas, o poder dos homens face à autoridade dos deuses, o suicídio. São estes os aspectos dominantes de um texto depurado até à raiz que interessará tanto à comunidade em geral como ao público escolar mais jovem, para o qual esta versão se dirige particularmente na figura da rebelde e insubordinada Antígona.
 
«És uma pessoa que se apaixonou pelo impossível»
 
   Tanto quanto é possível saber, “Antígona” é a mais antiga das obras conservadas de Sófocles, estreada por volta de 442 a.C. e representada em Atenas 32 vezes consecutivas. Conta-se que os atenienses apreciaram tanto esta tragédia sobre a morte de Antígona que, por altura da sua primeira representação, terão oferecido ao seu Autor o governo de Samos. A personagem que oferece título à tragédia tornou-se um símbolo de resistência ao poder, inspirando inúmeras versões ao longo dos séculos e acesos debates quanto à sua verdadeira natureza. «Que soberbo quadro de mulher!», assim se lhe referiu o poeta romântico inglês P. B. Shelley. Hegel fala da peça nas suas lições sobre estética, o que não passou despercebido a Anne Carson, conhecida pela liberdade com que enxerta nas suas versões de textos clássicos referências que lhes são posteriores. Isto mesmo sucede em “Antigonick”, com Antígona e Ismena a entrarem em cena discutindo um Hegel que mais parece Beckett.
   A intertextualidade em “Antigonick” fica explícita, desde logo, no prólogo que a tradutora escreveu para a peça, o qual tem integrado diversas leituras públicas que vão sendo realizadas com a presença da própria Anne Carson no papel de Coro. Em “A tarefa de quem traduz Antígona” são mencionadas as versões de Bertolt Brecht, a partir da tradução de Hölderlin, representada na Suíça de 1948, as reflexões estéticas de Hegel, a psicanálise de Lacan, a leitura de “Antígona” levada a cabo por George Eliot, a mais recente e extraordinária proposta, com vários fins possíveis, do filósofo Slavoj Žižek, a “Antígona” de Jean Anouilh, datada de 1942, capaz de causar tão boa impressão no alto comando Nazi como na Resistência Francesa. O poeta John Ashbery, Samuel Beckett, John Cage, Ingeborg Bachmann, são outras estrelas de uma constelação citada por Anne Carson antes de concluir: «querida Antígona, / considero ser essa a tarefa de quem traduz / impedir que alguma vez percas os teus gritos.»
 
«Aí têm os verbos de Creonte para hoje»
 
   Depois de saber que havia casado com a própria mãe, Édipo furou os olhos e exilou-se. Dos quatro filhos, só Antígona o acompanhou. Revoltado, Édipo amaldiçoou os dois irmãos de Antígona dizendo que se matariam um ao outro. Etéocles ficou a reinar Tebas, deixando Polínices furioso. Juntou-se este a Adrasto de Argos e atacou Tebas na famosa batalha dos Sete contra Tebas, acabando por morrer com o irmão no campo de batalha onde lutaram um contra o outro. Eis a trágica história da casa real de Tebas. Tornado regente da cidade, Creonte ordenou honras fúnebres a Etéocles e proibiu qualquer cerimónia a Polínices, abandonando o corpo à mercê das bestas. Inconformada com o desafortunado destino de um dos irmãos, Antígona resolveu desobedecer a Creonte. Assim começa a tragédia de Antígona, a que queria honrar o irmão Polínices oferecendo-lhe cerimónias fúnebres dignas. Esta desobediência à ordem do Estado assinará não só o seu destino, como o de outros que a rodeiam.
   Para o encenador Fernando Mora Ramos, que interpretará também o papel de Creonte, Carson «converte os conflitos na sua expressão elementar, não lhes deixa, intencionalmente, mais respiração que a necessária para serem lidos como num esquema clarificador que, no fundo, remeta para um entendimento que capte o principal e que por aí permita aceder a outras subtilezas. Esta peça é também um modo de entrar na de Sófocles e nada perde por ter essa qualidade, uma singularidade com potencial pedagógico. Será a peça de Carson um resumo da peça de Sófocles? Não, seria disparate dizê-lo. E por que razão? Porque, tratando-se da revisitação de um clássico, não se reduz à síntese mas, pelo contrário, incute-lhe uma actualidade, uma vivacidade, particularmente na linguagem entremeada de tradução directa do grego e coloquialidades próximas.»
   Sobre a actualidade e pertinência deste texto, acrescenta Fernando Mora Ramos: «O que mais nos salta à vista hoje é também a contraposição masculino/feminino, a coincidir com autarcia versus desobediência, o conflito que, sendo geracional, é mais que isso, sendo que o gesto de Antígona acaba por derrubar, por assim dizer, o regime de Creonte que, face às mortes desencadeadas pelo suicídio de Antígona, do filho Hémon e da Mulher Eurídice, se desfaz em “dor”. Diz Creonte, no fim da peça, que está tão morto em vida como aqueles que já não pertencem a este mundo.»
 
«Não há grandeza que entre na vida dos mortais sem trazer a desgraça»
 
   Nascida em Toronto a 21 de Junho de 1950, Anne Carson estudou artes e grego antigo. É uma reconhecida poeta, professora de Estudos Clássicos, ensaísta e tradutora. Os seus livros questionam as fronteiras entre géneros desde a estreia com “Eros the Bittersweet: an Essay” (1986), misturando os diferentes interesses da Autora, que vão da literatura comparada à antropologia, história e artes, juntando ideias e temas de proveniências diversas. Os seus livros testam as formas fixadas da poesia, do ensaio, do drama, problematizando as relações entre realidade e ficção, original e tradução, surpreendendo pela capacidade de síntese e pelo agudo sentido de humor.
   “Antigonick”, versão publicada originalmente em 2012 sob a forma de “drama gráfico”, com a própria caligrafia de Carson e ilustrações de Bianca Stone, teve uma edição posterior já depurada dos desenhos e com caracteres tipográficos. Nesta outra edição, no entanto, o leitor não deixou de ser surpreendido pelos diálogos justificados à esquerda, ao centro e à direita, aspectos formais que salientam a sua escrita extraordinariamente rítmica. A este trabalho em concreto referiu-se Carson como uma «tentativa de transmitir um movimento, um choque ou um obscurecimento que existe no texto original, o que nem sempre significa reproduzir as palavras e as frases originais pela mesma ordem. Uma peça é um conjunto de acções e de gestos, e é isso que precisa de ser traduzido do grego antigo para uma língua actual.»
   Sobre Nick, a estranha personagem agora introduzida pela tradutora no corpo da acção, diz-nos Anne Carson: «Nick mede coisas. A maioria das tragédias gregas trata de uma pessoa que é grande demais para o espaço de vida que lhe foi concedido. O excesso leva à catástrofe. A necessidade de evitar ruídos excessivos nessas peças é uma ansiedade constante. Um personagem mudo e que se move o tempo todo é um espaço livre de invenção para quem dirige/produz a peça. Pode ser engraçado, pode ser lírico, pode ser uma outra dramatização das tensões, dependendo de como for encenado».
       Com interpretações de Beatriz Antunes, Carlos Borges, Diogo Marques, Fábio Costa, Henrique Manuel Bento Fialho, Isabel Lopes, João Costa, José Carlos Faria, Mafalda Taveira e Nuno Machado, este espectáculo contará ainda com cenografia de José Serrão e iluminação de Jorge Ribeiro. No âmbito desta nova produção do Teatro da Rainha, receberemos dia 25 de Novembro, às 16h, no Pequeno Auditório do CCC, o Professor Catedrático José Pedro Serra para uma conversa acerca de Antígona, personagem clássica que continua a inspirar acesos debates sobre o direito à desobediência civil, a emancipação feminina, a problemática do suicídio ou a oposição entre diversas formas de Estado tais como a tirania, a democracia e a anarquia. Encontro aberto ao público em geral com um extraordinário comunicador, autor da série “Mythos” exibida pela RTP.

1 comentário:

Mariana disse...

Antígona, personagem extraordinária de uma peça que, segundo matéria da BBC, é a mais representada do mundo: https://www.bbc.com/portuguese/geral-54841825.