domingo, 16 de junho de 2024

LA VIOLACIÓN DE LUCRECIA

 


¿Qué puede haber más espeluznante que tu hijo con los ojos de tu violador?
Alfonso Zurro, in "La Violación de Lucrecia". 
 
 
Tivemos ontem oportunidade de assistir a um belíssimo momento de teatro no Pequeno Auditório do CCC, proporcionando pelo Teatro Clásico de Sevilla a convite do Teatro da Rainha. Um manto rubro aveludado, sob o qual se esconde uma lixeira, é o chão que Lucrécia pisa. Texto excelente de Alfonso Zurro, a partir de um poema de Shakespeare, um desses poemas que atravessam os séculos sem se perderem pelo caminho, para uma interpretação magnífica, exigente, contida mas intensa de Lorena Ávila. Esta Lucrécia, que é a de Shakespeare, projecta-se no ar da história e viaja no tempo, nela cabem tanto as mulheres estupradas na Grécia de Homero como nas ruínas de Gaza. Pungente, o espectáculo nunca perde o controle sobre a dimensão terrível do tema abordado, seja quando coloca Lucrécia sob interrogatório policial, na presença de um juiz ou numa clínica onde pretende interromper uma gravidez indesejada. Zurro torna-a contemporânea explorando o poema de Shakespeare a partir do que nele está escrito e do que nele não podia estar escrito. A espaços incomoda, faz o que se espera que um espectáculo de teatro faça, perturba consciências, instaura a dúvida, obriga-nos a reflectir sobre a tremenda e terrível solidão das vítimas. Leio hoje que, na Argentina, Milei ordenou o encerramento de uma agência de combate à violência de género com importante trabalho na defesa dos direitos das mulheres e no apoio às vítimas. Leio a notícia e sinto um nó no estômago. Depois do espectáculo de ontem, apanhar pela manhã com uma notícia destas é como levar uma chapada de realidade. Que os dias se cumpram lutando e trabalhando por um mundo melhor, porque este que temos diante de nós dá provas continuadas de que vai na direcção errada.

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