quarta-feira, 11 de setembro de 2024

ESTAR VIVO

Esta noite sonhei que tinha morrido. Não sonhei que estava a morrer, o que já aconteceu algumas vezes - morrer e sonhar com isso -, nem com o meu funeral, nem com estar morto. Sonhei que tinha morrido, desaparecido, deixara simplesmente de ser. O mundo continuava o mesmo, esta balança sempre desequilibrada de amores e ódios, coisas belas e horríveis, gestos maus e outros bons. Havia guerras, como sempre houve e, a confiar na lógica indutiva, continuará a haver. Mais centímetro, menos centímetro, o mar insistia em vergastar a terra e esta lá ia tremelicando, de quando em vez, para susto da humanidade. O universo conservava-se vasto e incognoscível, o cosmos um mistério por desvendar, deus uma palavra conspurcada pelos homens. Eu não estava no mundo, ninguém me lembrava, era como se nunca tivesse existido. Os descendentes seguiam as suas vidas sem olharem para trás, projectados por raízes que não desconheciam mas com as quais não se ocupavam. As raízes só se vêem quando irrompem à superfície rasgando a terra e os olhos de quem as vê. Foi um bom sonho, claro, sossegado, pacífico, de uma quietude nada surpreendente, apenas suave, tranquila, boa, uma quietude consoladora. É bom saber que o mundo continuará depois de nós, mesmo que continue assim, como sempre foi, este mistifório de venalidade e de coragem, de vícios e de virtudes, humano, demasiado humano, talvez mais do que seria desejável.

2 comentários:

sonia disse...

E quando acordou, achou bom ou preferiria continuar no sonho???

hmbf disse...

Ora essa, prefiro sempre dormir.