quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

50 X 27

 


“Uma guitarra com gente dentro”: Carlos Paredes
 
Carlos Paredes, pois claro, que, fosse vivo, teria feito 100 há dias. Detestaria ver desfeita esta mitologia pessoal do homem exemplo, da humildade que se agiganta quando os dedos dançam e cantam fazendo vibrar as cordas de uma guitarra que é um país. Como ele, assim à laia de modelo moral, só José Afonso. Mais nenhum, mais ninguém. A música de Carlos Paredes é, obviamente, o sangue a correr nas veias deste velho país. Escutá-lo é auscultar as raízes de um estranho povo nascido da mistura de línguas e credos e sabores e ritmos. Divertimentos, cantos, danças e a “Melodia para um Poeta”, que podia ser Pessoa no escritório como foi Paredes a ganhar a vida na propaganda médica. Há muitos anos fui homenageá-lo no Teatro da Trindade. Ele já não estava lá, mas era como se estivesse. Lembro-me de ter pensado como amo este país que odeio, como odeio este país que amo, como aquela música mergulhava-me nas águas da ambivalência salpicando de alegria a melancolia devoradora com que vamos suportando a passagem do tempo. As pessoas e os seus defeitos perdem valor quando o ar se enche destes desenhos, deixam de nos ocupar o pensamento porque, entretanto, ele foi libertado por um instrumento em diálogo com outro instrumento. Já não me lembrava dos duetos com Charlie Haden, nesta antologia registados em três exemplos. Belos momentos.

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