“Uma guitarra com gente dentro”:
Carlos Paredes
Carlos Paredes, pois claro,
que, fosse vivo, teria feito 100 há dias. Detestaria ver desfeita esta
mitologia pessoal do homem exemplo, da humildade que se agiganta quando os
dedos dançam e cantam fazendo vibrar as cordas de uma guitarra que é um país.
Como ele, assim à laia de modelo moral, só José Afonso. Mais nenhum, mais
ninguém. A música de Carlos Paredes é, obviamente, o sangue a correr nas veias
deste velho país. Escutá-lo é auscultar as raízes de um estranho povo nascido
da mistura de línguas e credos e sabores e ritmos. Divertimentos, cantos,
danças e a “Melodia para um Poeta”, que podia ser Pessoa no escritório como foi
Paredes a ganhar a vida na propaganda médica. Há muitos anos fui homenageá-lo
no Teatro da Trindade. Ele já não estava lá, mas era como se estivesse. Lembro-me
de ter pensado como amo este país que odeio, como odeio este país que amo, como
aquela música mergulhava-me nas águas da ambivalência salpicando de alegria a
melancolia devoradora com que vamos suportando a passagem do tempo. As pessoas
e os seus defeitos perdem valor quando o ar se enche destes desenhos, deixam de
nos ocupar o pensamento porque, entretanto, ele foi libertado por um
instrumento em diálogo com outro instrumento. Já não me lembrava dos duetos com
Charlie Haden, nesta antologia registados em três exemplos. Belos momentos.
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