Esta noite sonhei com um cemitério de palavras. Era
vasto, extenso, interminável. Cada palavra perecida tinha a sua laje de
mármore, com correspondente origem etimológica. Não havia referências a datas
de nascimento nem de morte, talvez porque ninguém saiba muito bem quando uma
palavra nasceu, em que momento começa a definhar e quando se faz cadáver.
Andava por ali a esmo, naquele cemitério labiríntico, com um ramo na mão, não
sei bem se em busca de uma palavra exacta ou na esperança de encontrar uma
qualquer palavra morta onde me apetecesse depositar o ramo de buxo. Às tantas
ajoelhei-me diante da campa onde fora enterrada a palavra lanfranhudo, mas não
depositei as flores. Ao lado fora enterrada a palavra ósculo, do latim
"osculum", diminutivo de "os" (boca), ou seja, literalmente
“bocadinha” ou “beijinho”. Foi aí que larguei o ramo, antes de eu próprio
acordar morto sob uma laje que dizia: Tugúrio, do latim tugus, relacionado com
estruturas simples feitas de materiais naturais, como palha, madeira ou barro, com
o sufixo -urium, comum no latim para indicar lugar. Tugurium seria algo como
“lugar coberto com palha”. Ri-me muito lá no fundo da terra onde haviam sido
depositados os meus restos mortais, pois Henrique vem do germânico Heimirich,
que significa "senhor do lar":
Heim = casa, lar
Ric(h) = governante, poder, rei
Senti-me um rei de palha, o que me deu gozo. Sobretudo
estando morto.
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