domingo, 22 de julho de 2012

DO NATURAL





Publicado originalmente em 1988, Do Natural – Um Poema Elementar (Quetzal, Junho de 2012) marcou a estreia literária de W. G. Sebald (n. 1944 – m. 2001). Chamar-lhe elementar pode ser um eufemismo. Na realidade, são três textos onde se cruzam matérias diversas. No primeiro deles, intitulado Como a neve nos Alpes, Sebald debruça-se sobre a vida e a obra do pintor Matthaeus Grünewald de Aschaffenburg (n. 1470 – m. 1528). Contemporâneo de Dürer (n. 1471 – m. 1528), de seu verdadeiro nome Mathias Gothart Neithart, Grünewald permaneceu obscuro ao longo dos séculos, a ponto da sua obra mais importante, O Retábulo de Isenheim, ter sido durante muito tempo atribuído a Dürer. Na realidade foi Grünewald quem o concebeu para o Mosteiro da Ordem de Santo Antão em Isenheim, na Alsácia. Sebald dá conta dos factos, nomeia fontes, recria percursos, constrói um puzzle onde a intenção mais clara parece ser a de recuperar a memória e, desse modo, fazer justiça à História. Trata-se de um texto de pendor biografista onde a erudição extrema suporta uma meditação ecfrástica, concentrando-se o olhar na obra para daí retirar conclusões mais profundas. O texto reflecte as imagens do pintor como uma espécie de sombra projectada nas paredes de uma caverna, percebendo-se, neste entrecruzamento de olhares e de observações, a busca de um saber que tem a Natureza por objecto: «O torcicolo de pânico que se vê / em todas as figuras da obra de Grünewald / que expõem a garganta e muitas vezes viram / a cara para uma luz ofuscante / é o modo extremo de o corpo exprimir / a falta de equilíbrio da natureza / que entra às cegas em experiências brutas, / uma após outra e, / qual biscateiro louco, logo / desfaz o que acaba de fazer. / Ver até onde pode ir / é o seu único propósito, germinar, / perdurar, propagar-se, / em nós, através de nós e através das / máquinas criadas nas nossas cabeças / numa balbúrdia única, / enquanto nas nossas costas já as verdes / árvores largam as suas folhas e, / nuas, como tantas vezes nos quadros de / Grünewald, se erguem ao céu, / cobertos os ramos mortos de uma / substância musgosa que escorre» (p. 28). Se os mistérios da vida, nomeadamente no que têm de estranha relação do homem com a Natureza, são aqui penetrados através da obra de um pintor obscuro, no segundo texto, intitulado Quedara-me eu no fim do mar, o nervo óptico concentra-se nas aventuras do naturalista Georg Wilhelm Steller (n. 1709 – m. 1746), companheiro de Vitus Bering (n. 1680 – m. 1741) na famosa expedição que tinha por objectivo explorar a Sibéria e em viagens pela costa do Alasca. A “arte de descrever” é sublinhada pelo texto de Sebald, que não evita pormenores quando pretende desenhar atmosferas onde a morte de Bering e a experiência da expedição contribuem para uma dramatização da vida do explorador: solidão, agruras, tristeza, depressão, “uma negra ruína”, a consciência de que tudo definha e de que a velhice marca o passo da existência. Mas, mais importante do que qualquer outra descoberta, esta: «Durante o Inverno / o doutor alemão ensina / as crianças coriaques numa minúscula / escola de madeira, escreve, / quando o gelo quebra, / memorandos em defesa / das tribos indígenas que o Comando Naval de Bolcheretsk / maltrata e priva de direitos, / do que resulta / o envio de uma carta contra ele, / a realização de interrogatórios, / daí os mal-entendidos / a que se seguem prisões, e Steller / percebe plenamente / a diferença entre natureza e sociedade» (p. 70). Esta tomada de consciência vislumbramo-la também no último dos três textos que compõem este livro - A noite escura faz-se ao caminho -, embora aqui o sujeito poético seja já o próprio autor, na posição autobiográfica de quem procura nos vestígios da memória o princípio de uma organização mental sobre quem se é no lugar onde se está. Os avós e os pais, os lugares da infância e da maturidade, observados através de fotografias ou revividos pela memória, dão lugar a um quadro sobre o essencial: «O que morreu / morto está. De amar / vem a vida. Não sei quem me diz, o quê? Como? / Onde ou quando? Agora / o amor não é nada? Ou é tudo? / Água? Fogo? Bem? / Mal? Vida? Morte?» (p. 103) Do Natural não é apenas, deste modo, um poema elementar, é um poema essencial porque nele vislumbramos a pequenez do homem na periferia do Universo. Excelente, a imagem da capa.

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