quarta-feira, 1 de agosto de 2012

DIÁRIO DE UM LIVREIRO BANANA



Camarada Van Zeller, passou-me pela cabeça que se as pessoas pudessem alimentar-se do ar poderiam ser mais felizes... mas depois tossi. As pessoas fazem o ar que respiram. Jamais poderão ser felizes. Digo isto porque um homem nasce igual a todos os outros homens, excepto quando nasce com as funções vitais reduzidas. Também pode nascer deformado, sem uma perna ou com um olho a mais. Uma vez conheci um homem que tinha seis dedos e já fui para a cama com uma mulher com duas vaginas. Está tudo na nossa cabeça. Principalmente a quantidade de vaginas que uma mulher tem. Eu penso nas coisas e é como se elas ganhassem vida, penso que podíamos ser todos mais felizes nem que fosse por esse breve instante em que pensamos nestas coisas. Mas não. O mundo é um lugar sem mistério nem segredos, o homem é o único mistério do mundo. É ele quem complica. Complicar o mundo é reduzi-lo, descobri-lo é ampliá-lo. Como a maioria dos homens não se sente bem em espaços amplos, toca de complicá-lo. As pessoas apreciam o aconchego das teorias, gostam de sentar-se nelas a olhar umas para as outras, gostam de apontar o dedo enquanto fazem cócegas na cauda das teorias. Eu tenho esta teoria sobre as pessoas porque sou uma pessoa; porque, de vez em quando, também me sento a fazer cócegas na cauda de uma teoria. Mas se pudesse alimentar-me do ar talvez arrumasse as teorias todas dentro de um tupperware e as metesse no congelador. Penso nisto enquanto estou aqui fora a fazer um intervalo com um cigarro entre os dedos. De vez em quando, trago o cigarro à boca. Depois tusso. Complico. Acho que podia ser menos infeliz se deixasse de fumar, se levasse uma vida regrada, se acreditasse em Deus, se cortasse no café, se lesse menos livros deprimentes, um homem é claramente influenciado pelos livros que lê e pela música que ouve e eu só leio escritores neurasténicos e raramente ouço música ligeira. Como dizia, talvez a felicidade quisesse algo comigo se eu me orientasse na vida, se levasse o feng shui a sério, se não comesse gorduras nem doces, se fizesse uma dieta rigorosa e emagrecesse, pelo menos, 30 quilos, se não fosse para a cama com mulheres com duas vaginas, se não visse coisas onde elas não existem, se procurasse nos seres humanos apenas o que têm de bom e se apagasse da humanidade o que ela tem de mau, embora esteja convencido de que, fosse isso possível, a humanidade ficaria reduzida a mim próprio e pouco mais. Mas, na realidade, eu nem me julgo boa pessoa. Sou algo cobarde, um banana que podia estar a ganhar milhões com a sua história se perdesse as manias e começasse a escrever o Diário de Um Livreiro Banana. Tenho a certeza de que seria um sucesso, até porque hoje posso dar-me ao luxo de afirmar que conheço bem o tipo de leitor que alimenta o negócio dos livros em Portugal. É um luxo pobrezinho, reconheço, mas ainda assim devemos considerar um luxo todo o tipo de conhecimento, mesmo quando ele se revela trágico e doentio. As pessoas que compram livros em Portugal não são diferentes das que vêem televisão e das que vão aos concertos do Nel Monteiro. De resto, a mediocridade sempre foi a coisa mais bem distribuída do mundo. Discordo dos críticos do presente que se arrastam num passado inexistente. Hoje é tudo muito degradante, mas Sócrates, o filósofo, já se queixava do mesmo no tempo dele. O que nos leva a poder induzir, segundo a lógica de Hume, que no futuro haverá alguém a dizer muito mal do seu tempo elogiando este tempo que é agora o nosso. É possível até que daqui a uns 40 anos, se eu ainda estiver vivo, se tiver deixado de fumar, se for regularmente ao médico, se me aplicar na dieta rigorosa e se nunca mais for para a cama com uma mulher com duas vaginas, é possível, dizia, que eu próprio venha a dizer aos meus netos: no meu tempo é que era bom. Deus queira que eles nunca aprendam a ler, o que é bem provável tendo em conta o estado do ensino na actualidade e o rumo da educação neste país.

5 comentários:

jp disse...

Agora é que me lixaste com as duas vaginas, eu diria conas mas pronto, sou um típico caso perdido de educação, muitos anos a ouvir o Nel e o Emanuel e o Marco, se conheço mais não me lembro. Como é que se chama a moça, Vargínia não?
Vou fazer birra. TAMBÉM QUERO.

alexandra g. disse...

caro Henrique,

não seja asno, se me permite, com essa cena dos netos, que irão adorar a Imaginação de Van Zeller tanto quanto nós que a lemos :)

maria disse...

Podes saber o segredo do livreiro banana, mas enquanto assim escreveres, de banana não tens nada. além de que...descobriste o segredo (outro) de duas numa, rapaz: o resto que se evapore com o fumo do cigarro.

;)

Luis Eme disse...

a esta até o Vanzeler bate palamas. :)

hmbf disse...

JP, a moça chamava-se Cristina. E eu tinha bebido demasiado nessa noite.

Alexandra, não me peça o impossível.

Maria, tranquilo. Com duplicados posso eu bem.

Luis, esperemos que não.