sexta-feira, 3 de agosto de 2012

POR EXEMPLO, DE QUE MODO O OLHAR-OBJECTO SE TORNA UM FETICHE?


Conde Barão, Lisboa. 2012.

Milan Kundera, no seu livro A Lentidão, apresenta como sinal definitivo do sexo pseudo-voluptuoso asséptico e falso dos nossos dias o casal que finge fazer sexo anal junto de uma piscina de um hotel, à vista dos hóspedes dos quartos sobranceiros, simulando gritos de prazer, mas sem sequer consumar a penetração. E ele contrapõe a isto os jogos eróticos íntimos, prolongados e galantes, da França do século XVIII... Não terá sido algo semelhante o que aconteceu no Camboja, na época dos khmer vermelhos, quando, após terem morrido demasiadas pessoas na sequência de purgas e da fome, o regime, querendo aumentar a população, estabeleceu os dias 1, 10 e 20 de cada mês como dias de copulação? Nesses dias, os pares casados eram autorizados a dormir juntos (ao contrário do que sucedia nos restantes dias, em que dormiam em casernas separadas) e obrigados a fazer amor. O espaço privado de que dispunham era um pequeno cubículo isolado por uma cortina de bambu semitransparente; em frente da fila destes cubículos, rondavam guardas khmer vermelhos, controlando se os casais estavam efectivamente a copular. Uma vez que estes sabiam que não fazer amor seria considerado um acto de sabotagem severamente punido, e dado que, por outro lado, depois de uma jornada de trabalho de catorze horas, estavam normalmente demasiado cansados para fazer sexo, simulavam fazer amor para enganar os guardas: executavam movimentos sugestivos e emitiam sons fingidos... Isto é exactamente o contrário da experiência da juventude pré-permissiva de alguns de nós, quando tínhamos de nos esgueirar para o quarto com a parceira, ou o parceiro, e fazer as coisas o mais silenciosamente possível, para que os pais, se ainda estivessem acordados, não suspeitassem de que estava a haver sexo. E se este espectáculo para o olhar do Outro fizer parte do acto sexual? E se, uma vez que a relação sexual não existe, esta constituir apenas uma encenação para o olhar do Outro?



Fotografia: Jorge Aguiar Oliveira.

Texto: Slavoj Žižek (num ensaio sobre Alfred Hitchcock)

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