Não espero amor nem glória de ninguém:
Espero terra e cinza,
Os blocos do abordar lá na doca esquecida,
E ao longe o rolo branco,
Livre e amargo do mar
Que traz com água e indiferençaO cadáver e o frasco azul do adeus marinho.
Como as gaivotas levo água e ferro no bico:
Por isso passo e fico.
Naquilo que outros vêem um vago talento e sorte,
Outros: «belas qualidades, mas purgativo, aquele magnésio...»
Levo coisas tão simples como o meu sonho e a minha morte:
O menino que eu fui, parado nos meus olhos,
O garoto que eu fui, e os sinos que rachei à pedra ainda a vibrar,
Minha mãe no que tenho de condescendente e feminino,
Meu pai na força e pressa do meu próprio coração.
Espero a terra e a lisura
Da pá que ma estender,
Além de erva ou torrão de calcadura
E os filhos velhos, graves,
Com um bocado de pão, a minha memória e uma acha a arder
Tudo isto espero com a força e a determinação da esperança,
Com as lágrimas do fraco melodioso
Mas, cheirando a esturro, a pulso,
Sozinho e perigoso.
Terei vestido e pão no mar e nos seus fundos
E nos peixes de cor as flâmulas de guerra;
Hei-de cravar o Sol no meu destino,
Dar a Lua a roer aos que duvidaram de mim,
E transparente como as baías me verão,
Que, vendo-as mansas, me verão a mim.
Mas, se acharem as baías bravas, que se aguentem!
Quando meu tio foi para Manaus, lá me aguentei!
Ah, baías salvadas e coléricas,
Açores de ronda ao vagalhão partido!
Morrer é bom quando se deixa
Algum pecado redimido.
Vitorino Nemésio, Nem Toda a Noite a Vida (1953)
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