terça-feira, 4 de dezembro de 2012

QUEM NÃO QUER SABER?

Ponta Delgada, Açores. 2012.

Porque a política foi assim: quando as pessoas se cansaram muito de acreditar e deixaram de votar, foi inventada uma maneira de retomar o hábito que consistia em possibilitar o voto através da Rede e de lhe associar um benefício, normalmente um benefício fiscal. Desta forma havia um incentivo para que o voto continuasse a ser exercido, sendo que este incentivo foi revisto em alta duas ou três vezes até se confirmar que o desinteresse era já o princípio de outra coisa. Passados  alguns anos, e visto o fenómeno ser generalizado às mais diversas partes do mundo, a preocupação dos políticos foi maior. E o poder, que inclui também a política, estava à beira de uma nova mutação. Que mutação? Claro, para mais ainda virtual. Vejamos Foucault: no tempo da monarquia absoluta o Estado era o rei. O poder entrava de cabeça naquela pessoa e ficava lá a morar até desaparecer. Se lhe cortasses o pescoço ou o furasses, ele caía e o Estado também. O dono da faca ou da bala mais certeira reinaria um novo reino. Poder vulnerável: um tiro ou uma facada e ele não resite mais que a força  de todos os seus braços. Impunha-se forma mais sofisticada, que acabou por ser também mais invisível: na democracia do século vinte tu tens uma posição que não acaba quando o sujeito que a preenche desaparece: o deputado é substituído por outro, o ministro, o primeiro-ministro, todos, assim, sem que a falta de qualquer um deles - embora possa fazer diferença e efectivamente o faça - cause a queda do, como lhe chamam, sistema. De maneira que quem tem mais recursos de circulação pode circular pelos canais do sistema de forma mais liberta de atritos. Quem tem amigos e dinheiro, ou dinheiro e amigos, porque atrás daquele vêm estes, ainda que falsos, e ocupa tais posições, irradia para o lado dos vizinhos de forma a encher com o seu poder esta que é uma Rede também. Contaminando, saberá sempre por onde continuar a circular pois basta seguir o próprio cheiro nas rotas que a sua demasia foi pingando de gordura. E todos o ampararão na queda quando escorregar, porque em todos pendurou uma cópia do lixo com que o foram servindo: truques, muitos truques mas muito eficazes e com apresentações a condizer com a estação.


Fotografia: Jorge Aguiar Oliveira.
Texto: Rui Costa.

2 comentários:

Tolan disse...

Que texto. Foda-se. Comparar a "democracia" actual a uma espécie de hidra, cortas uma cabeça, é indiferente... É isso.

Anónimo disse...

Acertou na mouche -às vezes acontecia:-)-.Todavia, não é uma inevitabilidade.bjs. PB