domingo, 16 de junho de 2013

CHEYENNE AUTUMN (1964)



Nunca é demais lembrá-lo, a ocupação da América do Norte pelos europeus resultou numa chacina dificilmente imaginável. Os índios viram os seus territórios ocupados, as suas tradições apagadas, o seu modo de vida completamente arruinado pela chegada do velho ao novo mundo. A este declínio chamamos progresso, um progresso sempre indiferente aos seus danos colaterais, ou seja, as pessoas indefesas. Chamamos também a marcha da civilização, uma marcha que outra coisa não foi senão o espezinhamento de culturas diferentes da nossa. Expulsos das suas terras e enclausurados em reservas, foram os índios da América do Norte vítimas das traições e das injustiças sobre as quais se ergueu o chamado mundo moderno. Desesperados, incapazes de se subjugarem ao infortúnio, muitos deles matavam os filhos e suicidavam-se em massa. A colonização europeia reduziu, em poucos anos, uma população índia de cerca de dez milhões a menos de um milhão em 1900. As epidemias, a guerra, o negócio das peles (com o extermínio dos búfalos, principal fonte de sobrevivência de muitas comunidades indígenas) são hoje as principais causas apontadas para este declínio, mas sabe-se também que alguns comandantes mandavam distribuir aos índios mantas contaminadas com sarampo. Sem defesas contra os vírus europeus, rapidamente morriam. Um genocídio sem precedentes, disfarçado com soluções convencionais como a criação de reservas e suas escolas com o objectivo declarado de “matar o Índio… e conservar o homem”. Os Cheyenne, uma das tribos das florestas, caçadores de búfalos e nómadas, habitaram as zonas hoje conhecidas como Minnesota e Wyoming. Em 1864, foram vítimas de um massacre e declararam guerra definitiva ao homem branco. Fortemente debilitados face ao poderio militar norte-americano, resistiram, uniram-se a outras tribos e ganharam várias batalhas, embora o seu fim estivesse mais que decretado. John Ford (1894-1973) prestou-lhes homenagem num comovente épico onde a coragem, a perseverança, a honestidade, a honradez, são as principais características evocadas duma tribo constantemente ludibriada por um poder única e exclusivamente interessado em reforçar ainda mais o seu poder. A ganância do homem branco, que, como sabemos, será a breve trecho o castigo maior dos seus próprios vícios, ganhou sobre a humildade daqueles povos, que, também eles com suas lutas, sabiam viver em conformidade com a Natureza não ambicionando mais do que o necessário à sua sobrevivência. Ford começa a sua homenagem numa reserva instalada em pleno deserto, para onde estes povos das florestas do Norte haviam sido deslocados. É um dia especial, aguarda-se a chegada de altos representantes da governação norte-americana. Aqueles homens, mulheres e crianças poderão, finalmente, mostrar as condições miseráveis em que sobrevivem. Mas os homens importantes não chegam, decidindo os índios iniciar uma marcha, uma outra marcha, na direcção das suas terras de origem. Todo o filme de Ford é uma perseguição desta derradeira marcha, com vários elementos dramáticos a marcarem o ritmo e a renovarem o interesse sobre algo que, afinal, já todos sabemos como irá terminar. O episódio é histórico, tem no seu centro Dull Knife, o chefe dos Cheyenne do Norte, que dirigiu o regresso dos pouco mais de 300 sobreviventes da sua tribo à sua terra natal. Sendo fiel à realidade, o mestre do western envolve o episódio de ambientes ficcionais onde o homem branco e as suas instituições são retratadas com uma impressionante severidade crítica. Wyatt Earp, aqui interpretado por James Stewart, aparece episodicamente num contexto onde sobressai o desvario das populações nas cidades modernas, atravessadas por comboios, ou “cavalos de ferro”, provavelmente os mesmos dos quais os passageiros se divertiam a abater búfalos pelo caminho. Há na comitiva indígena uma criança que mata o tempo a desenhar numa pequena ardósia os búfalos que nunca viu e os comboios que já observou. Com ela segue a instrutora branca –Carroll Baker - que resolveu juntar-se aos índios desde a partida da reserva, deixando para trás o pretendente Capitão Thomas Archer (Richard Widmark), a quem cabe recapturar a tribo desobediente. Os bons sentimentos da professora e do capitão, assim como, no final, do Secretário do Interior, amenizam o retrato, mas não disfarçam a tomada de posição do realizador num épico que é, também, uma  pungente elegia pelo Índio norte-americano.