segunda-feira, 10 de junho de 2013

DAY OF THE OUTLAW (1959)


Nascido na Hungria, André de Toth (1912-2002) assinou os primeiros filmes como Tóth Endre. Na verdade, o seu verdadeiro nome era Sâsvári Farkasfalvi Tóthfalusi Tóth Endre Antal Mihály. Quem quiser, que se atreva a pronunciá-lo. Formado em Direito, enveredou pelas artes dramáticas como actor. Só mais tarde se dedicou ao cinema, escrevendo argumentos, representando e editando, trabalhando como assistente de realização. Realizou alguns filmes antes do início da Segunda Grande Guerra, acabando por fugir para Londres em 1940, onde trabalhou com Alexander Korda, e emigrando, dois anos depois, para os EUA. Nos states, André de Toth percorreu todos os géneros, do thriller ao western, do cinema de aventuras ao fantástico. Nunca almejou tanto reconhecimento como outros realizadores da sua geração, mas alguns críticos não hesitam em colocá-lo entre os melhores. Day of the Outlaw (1959) é um western admirável, até pela sua localização geográfica incomum. A acção decorre no estado do Wyoming, que tem como capital, refira-se, a cidade de Cheyenne. Contudo, este filme, intitulado Homens de Gelo na “versão portuguesa”, não é incomum apenas pela localização geográfica da acção. Em 1959, De Toth contava já com uma mão cheia de westerns no currículo: The Indian Fighter (1955, com Kirk Douglas e Walter Matthau), The Bounty Hunter (1954), Riding Shotgun (1954), Thunder Over the Plains e The Stranger Wore a Gun, todos com Randolph Scott. São obras que lhe garantiram uma experiência patente no filme de 1959. O primeiro aspecto que sobressai em Day of the Outlaw é o enquadramento paisagístico. Estamos num cenário distante das paisagens áridas e empoeiradas do deserto. Aqui a neve predomina, os cavalos caminham lentamente, enterram-se no gelo, os homens respiram com dificuldade, agasalham-se, há um frio constante que fortalece o ambiente enregelado estabelecido entre as personagens. A montanha espreita no horizonte, com seus mistérios impenetráveis. Ali fixados, naquele covil outrora ocupado por bandidos, uma comunidade tenta erguer-se. No centro da acção encontramos uma contenda entre agricultores e cowboys (querela clássica entre modos de vida sedentários e nómadas). Mas Blaise Starrett não disputa apenas o direito às terras com os agricultores que as querem vedar com arame farpado. Representado por Robert Ryan, o Deke Thornton que veremos em The Wild Bunch (1969), este cowboy carrega sobre os ombros o fardo de um amor extraviado. Nele se misturam remorso, raiva e um sentimento de injustiça que procura resolver sem ferir a antiga amada, agora nos braços do seu maior rival. Quando estes se aprontam para um duelo decisivo, são inesperadamente surpreendidos pela chegada à cidade de uma quadrilha liderada por um famoso desertor da cavalaria. Burl Ives é o capitão Jack Bruhn, que controla os seus homens com a rigidez e a eficácia de um militar. Entre Starrett e Bruhn acaba por estabelecer-se uma relação estranha. Ambos guiados por códigos de honra peculiares, cabe-lhes, por um lado, refrear as paixões de um bando de homens em fuga, sequiosos de mulheres e de álcool, e, por outro lado, controlar o medo instalado entre uma população subitamente deslocada de um conflito interno para um cenário onde a maior ameaça provém do exterior. A cumplicidade gerada entre Blaise Starrett e o capitão Jack Bruhn só não é absurda porque percebemos em ambos uma consciência do destino que o filme se encarrega de adiar sucessivamente. De resto, o ritmo narrativo de André de Toth respeita estes adiamentos, estas suspensões, sugerindo-nos a todo o instante hipóteses nunca concretizadas, possibilidades nunca verificadas. O duelo que não acontece, a mulher que não é violada, o amor que não se materializa, a fuga que não chega a dar-se, o tiro que não chega a ser disparado, insinuam uma frustração e um desencanto que o cenário repleto de neve cristalizam com expressividade notável. Metáfora convincente de um mundo perdido, Day of the Outlaw é uma das melhores ilustrações que o cinema nos pode oferecer sobre o que podia ter sido e não foi porque, lá está, ninguém ousou dar o passo decisivo. Blaise Starrett deu-o porque não podia deixar de o dar, tinha essa falha para resolver consigo próprio. Agradecidos lhe estamos:

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