Nascido na Hungria, André de Toth (1912-2002)
assinou os primeiros filmes como Tóth Endre. Na verdade, o seu verdadeiro nome
era Sâsvári Farkasfalvi
Tóthfalusi Tóth Endre Antal Mihály. Quem quiser, que se atreva a pronunciá-lo. Formado
em Direito, enveredou pelas artes dramáticas como actor. Só mais tarde se
dedicou ao cinema, escrevendo argumentos, representando e editando, trabalhando
como assistente de realização. Realizou alguns filmes antes do início da
Segunda Grande Guerra, acabando por fugir para Londres em 1940, onde trabalhou
com Alexander Korda, e emigrando, dois anos depois, para os EUA. Nos states,
André de Toth percorreu todos os géneros, do thriller ao western, do cinema de
aventuras ao fantástico. Nunca almejou tanto reconhecimento como outros realizadores
da sua geração, mas alguns críticos não hesitam em colocá-lo entre os
melhores. Day of the Outlaw (1959) é um western admirável, até pela sua
localização geográfica incomum. A acção decorre no estado do Wyoming, que tem
como capital, refira-se, a cidade de Cheyenne. Contudo, este filme, intitulado
Homens de Gelo na “versão portuguesa”, não é incomum apenas pela localização
geográfica da acção. Em 1959, De Toth contava já com uma mão cheia de westerns
no currículo: The Indian Fighter (1955, com Kirk Douglas e Walter Matthau), The
Bounty Hunter (1954), Riding Shotgun (1954), Thunder Over the Plains e The
Stranger Wore a Gun, todos com Randolph Scott. São obras que lhe garantiram uma
experiência patente no filme de 1959. O primeiro aspecto que sobressai
em Day of the Outlaw é o enquadramento paisagístico. Estamos num
cenário distante das paisagens áridas e empoeiradas do deserto. Aqui a neve
predomina, os cavalos caminham lentamente, enterram-se no gelo, os homens
respiram com dificuldade, agasalham-se, há um frio constante que fortalece o
ambiente enregelado estabelecido entre as personagens. A montanha espreita no
horizonte, com seus mistérios impenetráveis. Ali fixados, naquele covil outrora
ocupado por bandidos, uma comunidade tenta erguer-se. No centro da acção
encontramos uma contenda entre agricultores e cowboys (querela clássica entre modos de vida sedentários e nómadas). Mas Blaise
Starrett não disputa apenas o direito às terras com os agricultores que as
querem vedar com arame farpado. Representado por Robert Ryan, o Deke Thornton
que veremos em The Wild Bunch (1969), este cowboy carrega sobre os ombros o
fardo de um amor extraviado. Nele se misturam remorso, raiva e um sentimento de
injustiça que procura resolver sem ferir a antiga amada, agora nos braços do
seu maior rival. Quando estes se aprontam para um duelo decisivo, são
inesperadamente surpreendidos pela chegada à cidade de uma quadrilha liderada
por um famoso desertor da cavalaria. Burl Ives é o capitão Jack Bruhn, que
controla os seus homens com a rigidez e a eficácia de um militar. Entre Starrett
e Bruhn acaba por estabelecer-se uma relação estranha. Ambos guiados por
códigos de honra peculiares, cabe-lhes, por um lado, refrear as paixões de um
bando de homens em fuga, sequiosos de mulheres e de álcool, e, por outro lado, controlar
o medo instalado entre uma população subitamente deslocada de um conflito
interno para um cenário onde a maior ameaça provém do exterior. A cumplicidade
gerada entre Blaise Starrett e o capitão Jack Bruhn só não é absurda porque
percebemos em ambos uma consciência do destino que o filme se encarrega de
adiar sucessivamente. De resto, o ritmo narrativo de André de
Toth respeita estes adiamentos, estas suspensões, sugerindo-nos a todo o
instante hipóteses nunca concretizadas, possibilidades nunca verificadas. O
duelo que não acontece, a mulher que não é violada, o amor que não se materializa,
a fuga que não chega a dar-se, o tiro que não chega a ser disparado, insinuam
uma frustração e um desencanto que o cenário repleto de neve cristalizam com expressividade
notável. Metáfora convincente de um mundo perdido, Day of the Outlaw é uma das melhores ilustrações que o
cinema nos pode oferecer sobre o que podia ter sido e não foi porque, lá está,
ninguém ousou dar o passo decisivo. Blaise Starrett deu-o porque não podia
deixar de o dar, tinha essa falha para resolver consigo próprio. Agradecidos
lhe estamos:
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