Camarada Van Zeller, estava eu a aprontar-me para mais
uma revisitação cinéfila quando, impedido de caminhar pelo peso na consciência,
resolvi escrever-lhe esta missiva na melhor das intenções. Estive para fazê-lo
no Domingo, depois de ter ouvido a intelectual Clara Ferreira Alves dizer que os
professores tinham razão mas estava completamente contra a greve porque os
direitos dos alunos deviam prevalecer. Raciocínio fodido. Desde logo porque, de
uma assentada, ficámos a saber que não basta ter razão para justificar uma
reivindicação, que há certas formas de luta cuja justiça se avalia não pelos
motivos mas pelos efeitos e, por fim, que entre os direitos dos professores e
os direitos dos alunos se estabelecem intrincadas hierarquias. A partir
de hoje um direito deixa de ser um direito, passa a ser um direitinho se sobre
ele pesar um direitão. Eu, que fui professor do público e do privado, buli a
recibo verde sem ver compensadas horas de apoio escolar, vigilância de exames,
reuniões de avaliação e etc, muitas vezes falei contra a classe. Tenho esse mau
feitio. Mas hoje, agora, neste momento, estou em perfeita sintonia com os
docentes. Tivesse eu uma filha, dir-lhe-ia junta-te à luta dos teus
professores. A luta deles é a tua luta. Os seus direitos são os teus direitos. O
direito a uma escola pública de qualidade, com professores competentes, exigentes,
socialmente reconhecidos pelo bem tremendo que têm a oferecer a uma sociedade
claudicada por tecnocratas e intelectuais de algodão doce e mão debaixo do queixo.
Está visto, não precisamos de mais exemplos, que quando toca a agir o intelectual
enfia o rabinho entre as pernas e zarpa para porto seguro. Apela à indignação,
mostra-se deveras enraivecido e agastado, mas sempre no conforto da secretária
onde dá corda à pluma caprichosa da hipocrisia. Os direitos dos alunos devem,
então, prevalecer sobre os direitos dos professores? Ok. Relvas, o aluno
exemplar, não diria melhor. Fosse este o limite da justiça que fundamenta o
protesto, caro Van Zeller, e dificilmente teríamos hoje um mundo tão
civilizado, de alunos empenhados em lutas estudantis, erguendo ao alto hip hip
hurras de satisfação enquanto na tenda o Quim Bairros mama nos peitos da
cabritinha. Questiono-me, porém, desde quando realizar um exame final é um
direito? E admitindo andar muito torto, pergunto-me igualmente quantos alunos
não estariam na disposição de prescindir de certos direitos? Em prol, claro
está, do direito a uma educação justa, livre e imparcial. Considerando a
discussão inútil e o debate inglório, ergo-me cheio de dores na direcção do
televisor e ligo o aparelho. Alguém compara a greve dos professores em época de
exames a deixar um paciente abandonado numa sala de urgências, numa
hiperbolização extraordinário dessa entidade doentia que dá pelo nome de aluno
(o paciente) e da doença terminal que são os exames. Remova-se o cancro de uma
vez, portanto, porque os direitos do doente prevalecem sobre os direitos do
doutor e é até provável que prevaleçam sobre os direitos da doença. Resta-nos,
camarada Van Zeller, orar a Nossa Senhora de Fátima pelo bom tempo, pelas boas
avaliações da troika e por comparações menos parvas, na esperança de que a
cabeça dos alunos não seja tão obtusa quanto a destes intelectuais de pacotilha
com revoluções de papa no currículo. Juntem-se, ó alunos, aos vossos professores.
Façam todos greve aos exames e mostrem ao que estamos: um ensino público de
qualidade. Pudessem, em paralelo, os doentes fazer greve à doença!
9 comentários:
Concordo da 1ª à última palavra.
Gostava de perguntar à Sr.ª Clara Ferreira Alves se de cada vez que há um exame (leia-se avaliação) da Troika ao regime de empobrecimento (leia-se resgate) a que o país Portugal está sujeito, os direitos dos cidadãos portugueses prevalecem sobre os desejos do gang que dia após dia arruina o país.
Vai ver o Searching for Sugar Man. Está lá Tudo..
eu so gostava de saber o pk de tanta greve, acham que ganham pouco, como num pais que por exemplo tem vagas para 1000 professores de historia, ha 5000, para mim quem fizesse greve, ficava sem o lugar, a mais, funcionarios publicos era despedir metade e a outra metade polos a trabalhar, mas no sentido de trabalhar, portugal e um pais de parasitas e cada vez mais!!!!!!!!!!!!!!
e de analfabetos funcionais também
"mostrem ao que estamos: um ensino público de qualidade." É esta hipocrisia que me custa compreender, isto porque os professores não fazem greve "por um ensino de qualidade", porque se fosse por isso, todos nós faríamos greve em solidariedade com os professors. Ou com os médicos, quando estes fazem greve por um "serviço nacional de saúde de qualidade", ou com funcionários da CP por "uma rede de transportes públicos de qualidade". Eu pessoalmente não tinha nenhum problema que os professores dissessem, claramente, que fazem greve pela reivindicação de direitos laborais (justos ou não, não interessa). É para isso que serve um sindicato, não é para "defender a causa pública", é para defender os seus associados. Qual é o problema em admitir isto? No entanto, há certas classes profissionais se procuram colocar acima dessas preocupações mesquinhas com a "vidinha", alegando sempre que fazem greve por motivos superiores e nobres, como se os direitos laborais fossem um pequeno pormenor, que por si só não justificam uma greve.
não falo com desconhecidos, a conselho da mãezinha
Não o censuro, mãe é mãe.
Mas seria sensato prestar mais atenção aos perigos de assinar com o nome verdadeiro. Não vá um dia precisar que o camarada Van Zeller lhe dê emprego.
quero que o camarada van zeller se foda. Henrique Manuel bento fialho. quero que a sensatez se foda também.
«Milhares de professores estão a manifestar-se neste sábado, em Lisboa, contra as políticas do Governo na área educativa, especialmente a mobilidade especial e o aumento do horário de trabalho dos docentes.»
Sublinha-se: «a mobilidade especial e o aumento do horário de trabalho».
Razões que nada que têm que ver com a qualidade do serviço prestado, porque segundo o raciocínio de algumas luminárias as condições do trabalho não condicionam a qualidade do serviço. Podemos, portanto, voltar aos tempos da Revolução Industrial. Os mínimos estão garantidos.
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