terça-feira, 9 de julho de 2013

IRREVOGÁVEL

Quanto vale uma palavra nos dias que correm? Na boca de quem governa, vale zero. Paulo Portas, que em 1993 garantia ser geneticamente contra o poder voltou a dar provas de ser um homem de palavra. Depois de se demitir irrevogavelmente do Governo, regressou no dia seguinte com poderes reforçados. É um homem de palavra. Choca. Nada do que profira uma arara destas pode ser levado a sério, pelo menos por alguém que ainda dê o mínimo crédito à palavra. Somos poucos, sei. E somos pobres. Paciência.
Mais honesto acabou por ser Gaspar, o homem que vagarosamente se explicava enquanto vagarosamente o país foi morrendo sob a austeridade colossal do ministro. Com a economia de pantanas, a vida política num caos, a oposição a comer gelados e o povo a ver o Big Brother vip, resta-nos arroubar com a grande notícia do dia: Mandela mexeu o dedo mindinho. Está vivo. Está melhor do que o país, que já nem entubado se aguenta.
O circo a que assistimos nos últimos dias foi a prova cabal de que não vale a pena perder um segundo que seja com a vida política neste país. Os portugueses têm o que merecem, um Presidente da República palhaço, um Primeiro-ministro ilusionista e um Vice-Primeiro Ministro contorcionista. O resto é macacada amestrada com domadores em Bruxelas, no Clube de Bilderberg e na banca.
As pessoas podem ir buscar consolo ao Papa Francisco ou ao menino que foi ao céu e voltou, que em nada o mais catastrófico dos cenários poderá ser reparado. Uma semana depois do Governo ter caído sem cair, é já como se nada tivesse sucedido. Quem podia agir, não age. Está de férias. Quem podia reclamar, não reclama. Está ocupado a tratar da vida. Quem podia indignar-se, não se indigna. Meteu a indignação num offshore, transaccionou-a em mercado paralelo, vendeu-a nos saldos.
Nem vale sequer a pena remoer as queixas, como quem masca uma pastilha já tão gasta que rapidamente se desfaz em papa na boca. O mundo é lindo, os passarinhos cantam em coro enquanto o sol se ergue atrás da serra, a água do riacho mata a sede aos animais e refresca a terra, no termo do dia o sol volta a pôr-se no horizonte e um casal de namorados pede a quem passa que lhes tire uma fotografia, para mais tarde recordar aquele belo momento onde ninguém poderá sequer suspeitar um país inteiro em ruínas.
Um tipo esfola-se a trabalhar, é mal pago, ninguém reconhece o seu esforço? Dê-se por satisfeito, tem trabalho. Um tipo está desempregado, calcorreia meio mundo atrás de uma oportunidade que não aparece? Não seja piegas, está um sol maravilhoso. O médico falha ao doente, o doente não tem como pagar os medicamentos, o pai não tem como sustentar os estudos do filho? Dêem-se todos por contentes, na Somália é bem pior. E o Papa Francisco que nos ensine a rezar, enquanto o poder se entretém a enviar mensagens pelo Facebook numa ânsia de tudo comentar que tudo mantém por resolver.
Às vezes dá a sensação de termos penetrado já uma dimensão virtual onde tudo é o contrário daquilo que aparenta ou onde tudo aquilo que aparenta é a própria realidade ou onde entre realidade e aparência deixou de haver qualquer distinção, um mundo onde luz e sombra se fundiram num só corpo, uma espécie de neblina dentro da qual se safa quem tiver melhor olho para manipular a luz no território da treva.
Ou seja, quem se estiver nas tintas para a palavra. Porque essa, de facto, já nada vale. O seu valor é meramente retórico, residual. Os políticos deste país perceberam-no quando se tornou clara a desmemória e o desinteresse da massa social, aquela a quem a palavra entra por um ouvido e sai pelo outro. É a única explicação que encontramos para justificar um palhaço a mandar nisto tudo, figura sinistra de um circo que o aguenta há mais de vinte anos por nele ver uma graça que, afinal, nos vem desgraçando a todos. Há muito.

3 comentários:

ZMB disse...

Nem tudo é cinzas, ainda há quem lute.
A pintora Paula Rego dá um exemplo possível.
Além disso, talvez uma imagem perdure mais que mil palavras.
http://www.bitaites.org/porreiro-pa/cavaco-uma-boca-na-teta-e-uma-mao-nos-tomates/
Ele não poderá fugir à imagem que fica para a história.

hmbf disse...

Deixo à história a imagem que ficará para a história. A minha história é agora, aqui. E aqui, agora, a luta tem-nos valido tanto como uma palavra do Portas. Tudo mole, mole, mole. O país é pacífico, dá um bom postal para o turista.

rff disse...

Diz que o Palhaço fala hoje às 8...

Andou 3 dias a ouvir estes e aqueles, quando já toda a gente sabia o que cada um dos escutados queria. Ora, é fazer as contas, pra perceber o que se perde com tanta palhaçada. Se isto não é a mais inequívoca prova de que este país é uma autêntica fantochada...

E tudo, pra dizer que a partir de agora quem vai mandar na pocilga é o homem que ama a lavoura (expressão utilizada pelo próprio numa das suas fascinantes incursões pelo mundo dos mercados e feiras deste país à beira-mar plantado...)

Kitano (o Takeshi) não faria melhor, Companheiro!...

Abç