sexta-feira, 7 de março de 2014

THE OX-BOW INCIDENT (1943)



Falemos de William A. Wellman (1896-1975). É de uma injustiça tremenda que esteja tão esquecido. Veterano de guerra, começou nos tempos do mudo. Wings (1927) foi o primeiro filme a levar um Oscar da Academia, catapultando o realizador para a lista dos imprescindíveis. A experiência militar de Wellman permitia-lhe filmar a guerra com realismo, fazendo da aviação tema predilecto. No entanto, os westerns permitiram-lhe exprimir a sua consciência social com inigualável consistência. The Ox-Bow Incident/Consciências Mortas (1943), com Henry Fonda (1905-1982) e um quase irreconhecível, de tão jovem, Anthiony Quinn (1915-2001), é dos mais conhecidos e celebrados. Mereceu uma nomeação para os óscares na categoria de melhor filme. Seguiram-se Buffalo Bill (1944), Yellow Sky (1948), Across the Wide Missouri (1951), entre outros. The Ox-Bow Incident tem argumento de Lamar Trotti, o mesmo que escreveu Young Mr. Lincoln (1939) para John Ford (1894-1973). Não admira, portanto, o tom sentimental e moralizante do final. Mas impõe-se uma contextualização. O filme surgiu durante a Segunda Guerra Mundial, nomeadamente numa fase em que os aliados ganhavam terreno. Tendo por tema uma questão tão sensível como os linchamentos públicos, então frequentes num mundo assolado pela guerra, o clima social era especialmente propício a reflexões sobre os dilemas da justiça e da sua aplicação. A história acompanha um dia de dois cowboys numa pequena e entediante cidade do Nevada, desde a sua chegada no termo da "jorna" até à alvorada do dia seguinte. Praticamente todas as cenas são filmadas em cenário nocturno, fazendo sobressair a luz das fogueiras, das lamparinas, dos fósforos e, por consequência, as silhuetas dos intervenientes. Isto oferece às personagens uma intensidade dramática especial, os actores são filmados com a intenção evidente de fazer exprimir nos traços do rosto sentimentos profundos e ambivalentes: do rancor à inveja, do ciúme ao medo, do ódio à compaixão, da cólera ao nojo… 
Perante a notícia do suposto assassinato de um rancheiro local, um grupo de cidadãos reúne-se para apressar a justiça. Movidos pela vontade de vingança e pela fúria, ou por sentimentos individuais que a frustração recalca, querem capturar os eventuais criminosos e enforcá-los. Querem fazer justiça pelas próprias mãos, opondo-se à própria justiça enquanto serena e apurada averiguação dos factos. Alguns elementos da comunidade resistem à decisão da maioria, mas de pouco lhes vale a consciência moral e a retórica dos discursos. Aqueles homens procuram acção, os seus rostos dissimulam segredos pulverizados de maus sentimentos, de ressentimentos e desencantos inconfessáveis. Não precisamos de saber o que se esconde por detrás daqueles rostos sem luz, compreendemos que o que quer que seja que aí se esconda é motor da violência iminente. William A. Wellman não expõe a violência para nos mostrá-la, optando, com inteligência, por sugeri-la nas sombras dos gestos, das discussões e da indiferença ao sofrimento alheio. Na realidade, aqueles indivíduos não estão tão interessados em fazer justiça como estão empenhados em responder aos seus próprios ressentimentos com a excitação do momento. Para eles, matar supostos ladrões de gado, eventuais assassinos, é como participar numa festa que o marasmo social em que vivem lhes nega. Não por acaso, o retrato traçado daquela cidade é-nos apresentado logo no início: a cidade parece morta, praticamente não existem mulheres, as que há estão casadas, resta o bar, mau uísque, jogo, bulhas ocasionais. A morte da cidade reflecte a morte das consciências dos seus habitantes, a alegria e o divertimento estão tão enterrados na cidade como nos corpos dos cidadãos. Não deixa de ser curioso que a verdade dos factos estivesse do lado da minoria, a minoria que se opunha ao linchamento de três pessoas inocentes. É quase sempre assim. E no final resta a carta, a carta derradeira de um dos réus, de uma das vítimas, a carta deixada para a mulher e para os filhos, denunciando e testemunhando o erro de que era vítima com sentido de justiça e de humanidade irreconhecíveis nos seus assassinos.
The Ox-Bow Incident permite-nos redescobrir o que faz de nós humanos, ao mesmo tempo que observamos o grupo de perseguição a cavalgar no encalço das suas presas e não conseguimos distinguir os homens das bestas. Porque o mal está, sem dúvida, dentro de cada um de nós. O que nos torna humanos é a consciência desse mal e a confiança na justiça. Sobre o mal que está dentro da própria justiça tratam outros filmes, alguns dos quais já temos vindo a recordar.

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