domingo, 6 de abril de 2014

WARLOCK (1959)



A geografia do western está maioritariamente concentrada nos estados do Texas e Novo México, nas fronteiras a sul de uma nação dividida e endemicamente desigual. Não obstante, é vasto o território deste género cinematográfico. Cidades como Tombstone (Arizona), Dodge City (Kansas), St. Joseph (Missouri), Crown City (Ohio) ou Sheridan (Wyoming), só para dar alguns exemplos, integram um roteiro que, bem vistas as coisas, é o dos Estados Unidos na sua totalidade. O western não se confina aos estados do sul nem ao ambiente social do chamado Old West, nas fronteiras que separavam a América do Norte do México ou, no interior da própria América, os territórios ocupados pelos colonos das nações índias. Esta complexidade geográfica oferece-nos uma riqueza identitária sem paralelo, a qual está na raiz multicultural dos states e se prolongará em manifestações artísticas aí desenvolvidas. Cinema incluído. Não admira, portanto, que muitas das narrativas produzidas em torno do fenómeno recorram a lugares imaginários, vilas recônditas, lugarejos abandonados, fortes perdidos no meio do nada, onde a civilização procurava impor-se ao clima selvagem recorrendo a métodos nem sempre ortodoxos, frequentemente ambíguos, controversos, paradoxais, estimulantes de um ponto de vista filosófico. Warlock é um desses lugares estranhamente esquecidos. Edward Dmytryk (n. 1908 – m. 1999), filho de imigrantes ucranianos, tinha tudo para ser um dos génios de Hollywood. A caça às bruxas na era McCarthy levou-o à prisão em 1947, vindo a ser reintegrado, depois do exílio britânico, na sequência de um depoimento onde bufou alguns dos seus antigos camaradas. Dmytryk ficou marcado em todas as direcções. Que a biografia não desfaça a arte. Warlock/O Homem das Pistolas de Ouro (1959) é filme para cinco estrelas, um dos melhores alguma vez produzidos. O elenco de luxo, onde pontificam Richard Widmark, Henry Fonda e Anthony Quinn, parece não ter sido suficiente para o resgatar do esquecimento. Estão lá, também, Dorothy Malone e Dolores Michaels (excelentes, as duas). Jean Tulard refere-se-lhe nestes termos: «As implicações homossexuais do roteiro (o matador é acompanhado por um amigo que é também seu guarda-costas, debilitado e de comportamento perturbado), achados de direcção e um elenco estrondoso fazem dele uma obra-prima». Não há exagero nas considerações. Warlock é uma vila isolada onde a lei não chega. Cansados de serem humilhados pelos cowboys de San Pablo, os habitantes resolvem contratar um Marshall para os defender. Clay Blaisedell (Henry Fonda) é o homem de quem todos ouviram falar, o homem cuja coragem motivou livros e a quem populações desesperadas ofereceram pistolas com punhos dourados. Aqui chegados, dois parêntesis se impõem. Primeiro: o argumento salienta uma representação ambivalente da figura do cowboy. Ao contrário do que tantas vezes se sugere, o cowboy aparece no western tanto como um desordeiro que importa controlar como o indivíduo corajoso, determinado e errante que inspira desconfiança. Nos bons westerns, o cowboy ocupa por vezes o lugar do índio onde este já não tem lugar. É igualmente nómada, não reconhece a lei nem a ordem, actua única e exclusivamente em função do seu individualismo, podendo ser bom quando dotado de consciência moral ou terrível quando imerso na anarquia da sua vontade. Segundo parêntesis: vilas isoladas como Warlock são frequentes na história do western, lugares sem rei nem roque onde as populações se organizavam na medida das suas forças, muitas vezes vítimas de um Estado mínimo que as votava ao esquecimento, obrigando os cidadãos a tomarem medidas extremas como sejam a contratação da sua própria justiça. Robert Nozick, autor de Anarquia, Estado e Utopia, tinha algo a ganhar se olhasse para estes exemplos com o cuidado que a História merece. Afinal, eles são reveladores de uma fragilidade social que a dura implementação da lei e da ordem torna maquiavélica. O pseudo-juiz coxo que Edward Dmytryk coloca no seu filme é metáfora pertinente da justiça onde a força do Estado se torna mínima, uma justiça que impele os cidadãos para alternativas extremas tais como a contratação de pistoleiros implacáveis (o town tamer de Man With the Gun) sem sentido de justiça que não seja a sua própria consciência. Entregues à consciência de um só indivíduo, as populações ficam à mercê dos caprichos e das paixões desse ser que, lá está, é humano como qualquer outro entre os demais. Verdadeiramente marcante a relação entre o Marshall contratado pela população de Warlock e o seu fiel companheiro. Henry Fonda e Anthony Quinn têm entre eles, como sugere Jean Tulard, um elo apaixonado que extravasa os domínios da amizade. Há qualquer coisa de sexual na forma como Tom Morgan (Quinn) protege Blaisedell (Fonda), nos cuidados na decoração dos novos aposentos, assim como na reacção de Blaisedell à morte do seu companheiro de dez anos, na forma como o segura ao colo, obriga a população a lamentar-lhe a morte e pega fogo ao French Palace entretanto transformado em câmara ardente. Paixão e ciúme acabam por separá-los. Não vale a pena esmiuçar um argumento repleto de pormenores incrivelmente sugestivos, filmado com argúcia rara e incrivelmente estética, onde o desempenho de actores excelentes tem o olhar que merece. É um filme para rever muitas vezes, tantas quantas as necessárias à justiça de uma memória perdida. 

Sem comentários: