Por vezes, com a brusquidão com que um livro
é interrompido, as nossas vidas
são rubricadas pelos pequenos nadas,
decalcados do que fica nos espelhos
à hora em que as rosas
empurram o ar,
e o corpo, longínquo,
entoa o repertório da morte.
Por eles somos nivelados
mais do que pelo prazer e a sorte.
Nada nos salva
desses naufrágios de cinzas,
nada é a poesia,
prelúdio de outras ruínas
nunca afirmadas.
O que é nosso
arduamente conquistado -
sonhos ou esperança -
perece nesses momentos.
Não tenhas ilusões,
nada nos salva,
nem de nós mesmos.
Jorge Gomes Miranda (n. 1965), in Postos de Escuta (2003). «A poesia de Gomes Miranda brota de uma saudável usualidade (o que não quer dizer que possa adivinhar-se que sempre permanecerá assim) da vida de todos os dias e da prática de todos aqueles que têm de fazer da existência o equilíbrio, ora conseguido ora instável, para sobreviver. E isto sem qualquer espírito de confidência, antes relatando esse ofício de sobre-vivência (de além-vivência) em versos ateados de um empenho: o de recolocarem a poesia como linguagem do equilíbrio (do decorum) sem esquecimento de todas as complexidades psíquicas e históricas do homem contemporâneo e sem outros efeitos senão os do conseguido transvasamento das imagens e das regras causadoras da beleza. Pois que, de novo, se não teme falar de poemas que demandam a "perfeição", sem que tal signifique já esses neo-espartilhos dos epigonismos metrificantes (...). A simplicidade e, porque não, a humildade em que assentam deliberadamente estes versos não se repercute na formação da sua processualidade elaborativa. Há, sem dúvida, uma pacificação linguística deliberada, mas não há qualquer fuga à consciência do poema como busca extremada de encadeamentos e pulsões. Os poemas não querem ser a simplicidade apenas, querem declarar articuladamente que a poesia não necessita da complexidade como um valor em si mesmo, o qual pretenda sobrepor-se à vontade de tecer vocábulos, frases, conceitos, modos de crescimento do sentido. Como Gomes Miranda, quase ocultadamente, parece estar a referir quando regressa a entendimentos da poesia onde o desejo da beleza e a vontade do apelo retornam» (Joaquim Manuel Magalhães, in Rima Pobre).
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