À semelhança de The Spikes Gang (1974), outro western da
década de 1970 marcado pela passagem de testemunho é The Cowboys (1972). Aqui,
ao contrário do que tantas vezes acontece, estamos verdadeiramente na presença
de um filme de cowboys. Mark Rydell (n. 1929), realizador competentíssimo nomeado
para um Oscar por On Golden Pond/A Casa do Lago (1981), oferece a John Wayne
uma derradeira possibilidade de brilhar. O rancheiro Wil Andersen retoma muitas
das características do magnífico Thomas Dunson de Red River/O Rio Vermelho
(1948), nomeadamente traços de carácter cuja inflexibilidade perdura no tempo.
Wayne está mais velho, assim como a sua personagem, embora ambos mantenham o orgulho
intacto, uma coragem que se mistura com teimosia, persistência, obstinação e,
sobretudo, sobre todos, uma tremenda vontade de vencer. Rydell sublinha esses
traços, acrescentando-lhes marcas que farão deste rancheiro, mais do que um chefe,
um verdadeiro pai.
Baseado num controverso romance de William Dale Jennings,
conhecido no universo das reivindicações LGBT como fundador da Mattachine
Society, o filme sofreu algumas adaptações no argumento que, de certo modo,
expurgaram eventuais alusões homossexuais. O que nos é dado a ver é um grupo de
adolescentes iniciando-se na vida adulta. A título de
curiosidade, refira-se que muitos dos miúdos que fazem parte do elenco não tiveram
outras experiências de representação dignas de nota. As excepções foram Norman
Howell (iremos vê-lo em Dances with Wolves/Danças com Lobos) e Robert
Carradine (rebuscado por Tarantino para o seu Django), assim como A Martinez, o
bastardo rebelde do grupo. Entre ambos, dois pesos pesados: o já referido John
Wayne e Roscoe Lee Browne (1925-2007), importante actor negro, com uma voz
poderosa, que oferece a The Cowboys um equilíbrio e uma dignidade que teriam
sido difíceis de garantir com um elenco tão jovem e inexperiente.
É verdade que
quando foi rodado este filme pouco teria a acrescentar à história de um género
fundador do cinema norte-americano, limitação que o talentoso Mark Rydell soube
ultrapassar com um elenco exigente e picante (são conhecidas as divergências
políticas entre os intervenientes), sequências onde as manadas de gado que
atravessam a pradaria evocam tempos perdidos e emoções recalcadas. Wil Andersen
é, pois, um velho cowboy de 60 anos que tem de percorrer cerca de 400 milhas de
território hostil com mais de 1500 cabeças de gado. A febre do ouro usurpou-lhe
mão-de-obra, vendo-se agora obrigado a contratar adolescentes para a execução
da épica tarefa. O ofício é duro, exige solidez e método. Andersen, que perdera
dois filhos, acabará por adoptar, mais do que contratar, estes jovens. O filme
desenvolve-se, deste modo, em dois planos paralelos: o da reconquista de uma
família por parte do velho cowboy e o da iniciação na vida adulta por parte dos
jovens.
Errado, porém, julgar ter sido este um western infantil, indeciso
perante públicos mais ou menos experientes. Na realidade, esta é uma obra em
diálogo profícuo com o passado, com a própria história do cinema, sendo imensas
as alusões, algumas as citações, diversas as referências. E há um condimento
que a enriquece. A personagem interpretada por John Wayne acabará por ser
assassinada, colocando-se ali ponto final a uma geração que vislumbrará nos
jovens recrutados um futuro promissor. Já agora, deve-se esta trágica ponte
entre passado e futuro a um outro grande actor que tivemos oportunidade de
rever, recentemente, ao mais alto nível. Refiro-me a Bruce Dern (o velho Woody
Grant do belíssimo Nebraska), elemento maligno em The Cowboys cujo nome é a
sugestiva alcunha de Long Hair.
Ora, toda esta construção narrativa apela não
só a um imaginário cinematográfico concreto como desbrava terreno para futuras
e abstractas (re)criações. Mark Rydell filma com agradável classicismo os seus
cowboys, enquadra-os num contexto específico onde o drama do tempo, da passagem
do tempo, do crescimento e do envelhecimento, no fundo o drama do
desenvolvimento da personalidade, se evidencia fora das banais transfigurações
de conflitos geracionais, exercendo-se antes a partir de um palco onde os
estádios e as etapas do desenvolvimento reflectem, também, o amadurecimento de
uma arte. Daí que este filme possa ser igualmente interpretado como homenagem
ao western enquanto género, uma homenagem matizada de vitalidade que olha para
o passado com espanto, não se deixa intimidar, segue o seu natural percurso - já
não na sombra das influências, antes enriquecida pela sua assimilação.
1 comentário:
Em breve novo livro do Fialho: poeboys.
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