domingo, 17 de agosto de 2014

SILÊNCIOS QUE FALAM

À angústia da página em branco, alguns autores vão contrapondo a inspiração do branco da página. Processa-se, nesta arte, uma inversão dos papéis. Algo que poderia ser interpretado como falta de estro, acaba por sugerir o poder do vazio - deixando assim ao leitor a missão de encontrar palavras onde porventura não farão falta alguma. Lembro-me do Poema Branco de Rui Costa, incluído no premiado, mas ignominiosamente inacessível, A Nuvem Prateada das Pessoas Graves (2005):


Outro exemplo, num poeta que se presta bastante a este tipo de experiências metalinguísticas, surge-nos com o poema A parte pelo todo, de João Luís Barreto Guimarães, que ofereceu o título a todo um conjunto compreensivelmente mais palavroso:


Mas não se julgue que estamos num território exclusivo da poesia. Recentemente, Bruno Vieira Amaral almejou um dos mais intensos graus da expressividade narrativa com a seguinte página no seu romance de estreia As Primeiras Coisas:


Talvez a nota de rodapé fosse escusada, encargo que deixo aos críticos profissionais. O que me interessa nestes três exemplos, e mais poderiam ser dados, é a capacidade que cada um dos autores teve de superar com engenho e risco uma limitação expressiva. Poderão chamar-lhe truque ou falta de originalidade, poderão acusar os autores de nada terem a dizer e de se acomodarem por detrás de um vazio experimental que nem sequer é inovador. Por mim, o que estas páginas praticamente em branco acrescentam, no contexto específico em que aparecem, é uma enorme capacidade de síntese que muito nos agradaria verificar na maioria dos autores mas que, para mal dos nossos pecados, nem todos estão dispostos a trabalhar.

Sem comentários: