À angústia da página em branco, alguns autores vão
contrapondo a inspiração do branco da página. Processa-se, nesta arte, uma
inversão dos papéis. Algo que poderia ser interpretado como falta de estro,
acaba por sugerir o poder do vazio - deixando assim ao leitor a missão de
encontrar palavras onde porventura não farão falta alguma. Lembro-me do Poema
Branco de Rui Costa, incluído no premiado, mas ignominiosamente inacessível, A
Nuvem Prateada das Pessoas Graves (2005):
Outro exemplo, num poeta que se presta bastante a este tipo
de experiências metalinguísticas, surge-nos com o poema A parte pelo todo, de
João Luís Barreto Guimarães, que ofereceu o título a todo um conjunto compreensivelmente
mais palavroso:
Mas não se julgue que estamos num território exclusivo da
poesia. Recentemente, Bruno Vieira Amaral almejou um dos mais intensos graus da
expressividade narrativa com a seguinte página no seu romance de estreia As
Primeiras Coisas:
Talvez a nota de rodapé fosse escusada, encargo que deixo
aos críticos profissionais. O que me interessa nestes três exemplos, e mais
poderiam ser dados, é a capacidade que cada um dos autores teve de superar com
engenho e risco uma limitação expressiva. Poderão chamar-lhe truque ou falta de
originalidade, poderão acusar os autores de nada terem a dizer e de se
acomodarem por detrás de um vazio experimental que nem sequer é inovador. Por
mim, o que estas páginas praticamente em branco acrescentam, no contexto específico
em que aparecem, é uma enorme capacidade de síntese que muito nos agradaria
verificar na maioria dos autores mas que, para mal dos nossos pecados, nem
todos estão dispostos a trabalhar.
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