A terra é das carícias
do herói e do medroso
dos vivos os nascidos
com lágrimas ou com dinheiro
Tantos mortos levam consigo
para a morte um dente de ouro
As dores repugnantes
Os sopros de inspiração
O cretino e o kantiano
Os que deixam sobre a mesa
o génio e suas medalhas
e num recanto do quarto
a amante despenteada
Acordamos com dois olhos
sem nunca ver a mandrágora
nem o trono dos relâmpagos
Pisamo-nos os calcanhares
para ir à missa à fábrica
Sentimos a solidão
no cinema e na retrete
E tantos milhões de camas
para um sonho só um pão
Dormir depois de comer
Comer depois de dormir
A tristeza da alcachofra
o plátano desnudando-se
Preciosas são as pedras
e as pedras preciosas
A visão de um cimo branco
ou de uma mulher despida
E o sol e o cemitério
Carlos Edmundo de Ory (n. 27 de Abril de 1923, Cádiz, Espanha - m. 11 de Novembro de 2010, Thézy-Glimont, França), versão de Herberto Helder, in Doze Nós Numa Corda - Poemas Mudados para Português, Assírio & Alvim, Dezembro de 1997, pp. 51-52.
Sem comentários:
Enviar um comentário