Uma esfera de cristal não guarda o amor, e as aves crescem desmesuradamente.
Invade a luz um silêncio grande como a ausência de rosas, um silêncio onde tremeluzem olhos espiados.
Crateras invisíveis jazem sob as mãos. São ácidos os lábios,
E onde encontrar para o adeus a loucura lilás do anoitecer?
Quem gera e quem destrói? O Mago de Manto Vermelho sabe como é breve o caminho para a danação:
A Árvore, o ovo quebrado, a pantera azul, a pedra da loucura, o Livro da Verdade eternamente cerrado.
E as cidades consomem-se uma a uma entre chamas,
E um rato avança lentamente sobre o vidro,
E o homem oferece-lhe o rosto branco e baço.
Longe, o Vagabundo vai só.
Maria Amélia Neto (n. 1928), in A Capital (1968). «Publicou um primeiro livro de versos em 1960, O Vento e a
Sombra. (…) Contudo, terão sido as traduções de dois dos maiores poemas de T.
S. Eliot, Four Quartets e The Waste Land, que lhe terão dado uma notoriedade
outra (pesando igualmente numa parte da sua poesia). / O brilho e os resíduos
epocais são um dado muito próprio: livre, sabida ou quase inocentemente usados
(…). É a releitura uma das suas estratégias mais cuidadosas, já que um fio
ligeiro e vibrante alcança sempre um que outro verso — no poema — dos seus livros (…). O
que parece ser também relevante — ao ler-se pela primeira vez o conjunto da
obra — é ver no arranjo límpido e mundano de Maria Amélia Neto uma deslocação;
que se liberta um pouco de vozes maiores (mas quantas são?) e algo menores que
se publicam entre nós a partir de 60. Usando-as mas largando-as de mão, talvez
um ponto resultante de uma tensão não-continental na sua poesia? Talvez também
esta exiba (…), por vezes em negativo, a enumeração e o inconjunto de várias
outras, que vai mostrar no brilho da sua cartilagem culta, e também modesta.
Por outro lado, poderá haver aqui um influxo de outras paragens. Poesia em
inglês da Ásia e do subcontinente indiano, poesia denominada indo-portuguesa, e
mesmo vária poesia oriental que vê a ocidental como um esgotamento, também
físico-espiritual, no momento da sua maior pujança (que será uma fraqueza)
moderna, histórica e, possivelmente, pós-moderna. (…) / Acresce haver em Maria
Amélia Neto uma coda que é dos anos 50 — um intervalo e uma colagem —, de
visibilidade e enigmatismo ou ambiguidade no poema, na qual um sentido de
perspectiva longa (duração) se vem conjugar com o tal arranjo próximo, biológico,
de materiais justapostos ou flutuantes, tudo mesclado de compaixão e algum
apocaliptismo cristão — e coisas budistas? Por aqui, parece escapar a um
curioso tom doutrinário (de dogma, ideal e não pragmático) que avassala duas
grandes zonas da poesia portuguesa deste século: neo-realista e formalista, por
um lado, surrealista e romântica, por outro» (Gil de Carvalho, in Colóquio/Letras,
Janeiro de 2000).
3 comentários:
Esta fotografia não é de Maria Amélia Neto. Era de toda a conveniência retirá-la. Caso deseje, posso fornecer-lhe uma foto autêntica ou então, consulte
https://www.facebook.com/Maria-Am%C3%A9lia-Neto-Poeta-101140658350656
Muito obrigado. Vou alterar.
@Rui Magalhães, para o caso de poder vir a ler este meu comentário, neste Blogue:
Estou a fazer um livro electrónico - Apple Book, para Macintosh, iPad e iPhone - com Poemas de Poetisas de Língua Portuguesa.
Será possível, por favor, enviar-me uma fotografia e um Poema (ambos do Domínio Público) de Maria Amélia Neto?
Antecipadamente Grato,
José Augusto Macedo do Couto
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