«Se um poeta só fala de
galinhas, como há-de saber-se o que pensa da criação de coelhos?» A
pergunta é colocada por Jorge de Sena e eu retiro-a do contexto porque a pergunta
vale por si. Sim, há poetas que só falam de galinhas, passam a vida a falar de
galinhas sem nunca terem sequer enfiado o dedo no cu da galinha para
averiguarem da existência de um ovo, há poetas de capoeira e de aviário que
fugiriam das galinhas assim que lhe sentissem o cheiro, porque eles falam das
galinhas como certos bons corações falam dos pobres de espírito, falam lavados e bem
alimentados, perfumados pela angústia das suas certezas. Com os poetas nada se aprende. Com sorte, podemos aprender alguma
coisa com a poesia, se soubermos rasurar o que nela há de poetas e tivermos o
engenho suficiente de um Moisés a separar águas. Abramos caminho entre as águas
com o cajado do pensamento, de um lado insectos em agonia, do outro tempestades
de sementes, abramos caminho e sigamos isolados, exilados, a ler de voz baixa para que o vento nos escute e ouça. Se
alguém passar que nos chame louco, digamos que procuramos o Pokémon da
sabedoria nas alvoradas do silêncio. Pela frente hão-de atravessar-se-nos
coelhos, mas sobre eles nada teremos a dizer. São selvagens, andam livres pelo
mundo, à mercê de caçadores imprevidentes. Com sorte sobreviverão ao mundo o
tempo que a nós cabe de sobrevivência à morte.
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