Ao lado da casa onde estou, temos um descampado outrora apinhado
de árvores. No meio do descampado restam as paredes e o telhado de uma
construção embargada. Fico horas a ver os pardais em voo agitado à volta das
paredes. Entram pelo buraco onde existiriam janelas se a construção tivesse
sido terminada, saem com impressionante agilidade pelo lado da porta. Depois pousam
nos cabos de electricidade que ladeiam a estrada e ficam em lugar distinto a
observar o mundo. Invejo o pequeno pardal-dos-telhados, tem privilégios que eu não tenho. Talvez eu viva mais tempo. Mas quem quer viver mais tempo sem os privilégios do pequeno pardal-dos-telhados? É muito provável que, fosse-nos dada a hipótese de escolha, escolheríamos nascer pardais. Jamais humanos.
Há dias, um casal de austríacos com uma criança instalou-se
por ali. Têm a aparência de vagabundos, apesar de circularem numa carrinha Mercedes
com atrelado. A criança chora muito. Observei o cuidado com que varreram, cortaram
ervas, colocaram vasos. Quando vou vazar o lixo consigo ver dentro da casa uma
estante com ripas que tiraram do atrelado, pelas quais se distribuem
alguidares e utensílios domésticos. A criança tem muitos brinquedos e continua a chorar. A
rapariga pinta telhas com figuras que parecem copiadas da simbologia rastafári.
Ele caminha lentamente, desloca coisas de um lado para o outro, anda de
bicicleta. Também têm um cão. O cão é feio. Apesar de se terem instalado ali, os pardais continuam a
exercer os seus direitos à ocupação do espaço aéreo. Continuam em voo agitado à
volta dos muros.
A rapariga dá de mamar à criança, o rapaz afaga o cão, um pardal pousa numa das telhas pintadas pela rapariga. O meu lugar é o de observador, a minha vida é observar. Infelizmente, não posso sentar-me num cabo de alta tensão. Posso subir ao telhado, isso posso.
A rapariga dá de mamar à criança, o rapaz afaga o cão, um pardal pousa numa das telhas pintadas pela rapariga. O meu lugar é o de observador, a minha vida é observar. Infelizmente, não posso sentar-me num cabo de alta tensão. Posso subir ao telhado, isso posso.
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