Henry Levin (n. 1909 – m. 1980) é um daqueles casos onde
a prolixidade pode salvar alguém da absoluta mediocridade. Actor e encenador,
chegou ao cinema como argumentista ainda na década de 1940. Rapidamente começou
a realizar os seus próprios filmes, estreando-se nos territórios do horror e do
filme de guerra. Dizem os historiadores e os críticos que desse período inicial
há um único filme a reter, um western intitulado The Man from Colorado/Pena de
Talião (1948). Do período posterior, informam os manuais dever evitar-se as
comédias musicais (“execráveis”). Alguns thrillers e, sobretudo, a adaptação de
um clássico de Júlio Verne salvaram a carreira de Levin enquanto realizador. Journey
to the Center of the Earth/Viagem ao Centro da Terra (1959) mereceu três
nomeações para os Oscars. Mas vamos ao western. The Man from Colorado surge na
época de ouro do género, rodeado de obras-primas assinadas por John Ford e
Howard Hawks. São do mesmo ano Fort Apache e Red River. Para cabeças de cartaz
Levin requisita dois actores que hão-de brilhar noutras recriações do velho
oeste, Glenn Ford em 3:10 to Yuma/O Comboio das 3 e 10 (1957) e o enorme
William Holden em filmes como Escape From Fort Bravo/A Fuga de Forte Bravo
(1953), The Horse Soldiers/Os Cavaleiros (1959) ou The Wild Bunch/A Quadrilha Selvagem (1969). Excelentes prenúncios, portanto. Mas o ingrediente principal é
mesmo o argumento, baseado numa história do omnipresente Borden Chase. The Man from Colorado aproxima-se de outras histórias de
Chase, cuja principal característica era a capacidade de oferecer às suas
personagens uma forte tensão psicológica a partir de situações limite e
conflitos morais que provocavam ansiedade e agitação. Neste sentido, Levin
confere à narrativa as tonalidades de um thriller com dois velhos amigos a
tornarem-se, progressivamente e por força das circunstâncias, inimigos fatais.
Estamos no fim da Guerra de Secessão, os homens do áspero coronel Owen
Devereaux regressam a casa. Ao lado do coronel, o capitão e leal amigo Del
Stewart procura entender métodos e decisões ambivalentes. O seu papel é o de um
observador chamado a agir face ao descontrole das situações. O próprio coronel questiona-se
intimamente acerca do seu estado mental, mas não consegue resistir ao ímpeto de
matar. A guerra deixou máculas, a justiça das decisões encontra-se ameaçada por
uma alienação moral que esbate as fronteiras entre a normalidade e a loucura.
A situação agrava-se quando para o lugar de juiz federal, onde é suposto governar a razão e a justeza de princípios, é eleito alguém afectado pelo exercício do poder durante a guerra. As decisões do ex-coronel, convertido em juiz, tornam-se turvas, difíceis de entender à luz da justiça. Talvez conforme a lei, mas jamais conforme a razão. Assistimos, assim, a um exercício peculiar de crítica com o heroísmo dos veteranos no centro do debate. A dúvida não se coloca tanto sobre a capacidade para o exercício de determinadas funções, como parece incidir sobre as circunstâncias e as condições que determinam a capacidade de um homem para ajuizar determinada situação. Tema sempre actual, como vamos observando no nosso dia-a-dia,
seria interessante oferecer aos oficiais de justiça a possibilidade de
assistirem a um filme assim. Quantas das decisões de quem aplica a lei não
estão contaminadas pelas circunstâncias pessoais do decisor? Por mais heróico
que tenha sido o passado de um homem, estará ele, por esse mesmo passado, habilitado
a exercer a justiça sem que esta seja infectada pelos seus demónios pessoais?
Ainda que pertinente, o título português não respeita a complexidade de tais discussões.
A transformação operada no juiz Owen Devereaux não deve restringir-se ao
domínio da aplicação da lei, por mais que seja evidente o desejo de retaliação que
determina tantas das decisões tomadas. O dilema fundamental é de ordem psicológica.
Henry Levine demonstrou ter mestria suficiente para recriar a história de
Borden Chase segundo os seus princípios essenciais, não deixando de lado
questões como as da reintegração dos ex-combatentes, o direito à propriedade
individual, a promiscuidade política, a ganância do poder económico. Mas é a
tensão psicológica da personagem interpretada por Glenn Ford o que mais nos
interessa, ela pontua os ritmos da acção. Tudo no filme acontece como efeito de
uma causa, a progressiva perda de lucidez do juiz Owen Devereaux. Em aberto fica
a possibilidade de especularmos sobre as razões de tal degeneração, sendo a mais
evidente de todas aquilo a que hoje damos o nome de stress de guerra. Menos
evidente talvez seja a peçonha do poder, aquilo que leva um homem a esquecer-se
de que é homem e a tomar-se por Deus.
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