Crentes, agnósticos, ateus, fanáticos, fundamentalistas,
coloquem só por hipótese, por mera hipótese, que o Messias ainda não chegou.
Imaginem que ele está entre nós, no corpo de Rodrigo Duterte ou Donald Trump.
Que razões temos nós para acreditar que Jesus era mesmo o filho de Deus? Por que não Trump e Duterte? Hitler era filho de Deus. Assim
como todos os judeus, ciganos, comunistas, anarquistas, que foram incinerados
nos campos de extermínio nazi. Deus tem “bué da” filhos e uns tomates do
tamanho de Júpiter. A questão é que se criou em torno da figura de Jesus uma narrativa,
alimentou-se a narrativa e ergueu-se uma fábrica de fantasias em torno dessa
mesma narrativa. A Igreja Católica Apostólica Romana é a mãe de todas as Disney,
a mais poderosa e bem-sucedida. Que tanta gente a venere não admira nada, a
maioria das pessoas adora mentiras, detesta verdades, ama ilusões, foge da
realidade, a maioria das pessoas sente-se confortável com a possibilidade de
uma vida eterna, mesmo que seja por demais evidente não haver vida eterna
alguma, e viveria amargamente sob a luz da finitude e da efemeridade. Envelhecer é tramado. Isto é que interessa, não
interessa Deus, nem o filho, nem o espírito santo, nem uma virgem Maria (foda-se,
que mentes mais lunáticas!), nem aparições, nem milagres… São enfeites
de Natal, patranhas que reforçam a narrativa. O que interessa é o conflito
vida/morte. Enquanto olharmos para a morte com temor, encontraremos sempre o que a desminta a nossos olhos atemorizados. Retirem a morte do cenário e Deus deixará de fazer
sentido, seja ele qual for.
13 comentários:
Como é que se vai dizer que não a quem oferece de uma só vez a eternidade e o perdão total ao alcance de um arrependimento de última hora?
Pela parte que me toca, só me arrependo todos os dias de não ser mais pecador.
Fazes mal. Deverias pecar o suficiente para não ser torturado por arrependimentos dessa natureza.
Alguns dos poemas dos livros "felonia" e "profligação":
Sobre as tábuas da mansuetude
é minha a última traição:
engendrar deus
como uma ideia acuada
até à capitulação.
E erguer-me dessa afronta
com a soberba da orfandade.
*
É um comércio vesânico,
mas quando a redenção não se regateia
a usura não atalha.
Nada sei dos mercados
em que se cambiam oblações
por oragos.
Basto-me do que sou: uma fé
onde nidificam as deletérias flores
da abjuração.
*
Para revenir a têmpera da fé
vi homens caldearem o desespero
com a desrazão,
abrirem mão da assertiva
que os lidimava
e aprenderem a protrair na dúvida
a piedade do erro.
Mas o ágio da hipocrisia
não cobre nunca
a torpeza do cálculo.
*
O meu século desobrigou-me de quase tudo.
Eu eximi-me do resto.
A deus não consenti sequer o escárnio
da derrelicção.
Nada há que desonere mais
que a aprendizagem da espuriedade.
*
“‒ De todos os espólios
reclamo a gratidão,
esse tributo
tão tácito quanto velado,
onde o devedor, mais que a dívida,
deve a sua própria condição.
A restituição como o sentido último da usura,
e a humildade que não conhece franquia.
Estes são os meus termos.
De ti espero não menos que a felonia.”
*
“- Resigna-te:
a tua contenda é com o eco.
E dela sobrará apenas a bravata
da elocução,
a empáfia
que abafas no medo,
a solércia de que te vales
para lidimares a referta.
Mas no fim,
quando sobre essa porfia
já não pesar o encómio dos homens,
emendarás sem pejo
a mão que pensaste explicar-te
pela que te garante.”
* (nos dois poemas que levam aspas e que se iniciam com travessão é deus - ou uma ideia de deus - quem do alto da sua jactância se dirige aos humanos.)
Cuca, infelizmente para mim a cabeça tem argumentos mais fortes que o corpo. Dizem que a carne é fraca, mas no meu caso fraca é a disposição para o pecado.
Jorge, grato pela partilha dos poemas.
De nada. Fico muito feliz que a caligrafia seja perceptível.
Não acredito que Deus deixaria de fazer sentido caso a morte fosse retirada do cenário. As religiões salvacionistas sim perderiam o sentido, ou teriam que se virar em busca de outras "narrativas", outras "ilusões" para arrebanhar o seu exército de "fiéis", mas o conceito de um deus existiu mesmo em povos que notoriamente não temiam a morte. Vide "Terra Sem Mal", de Helene Clastres, que aborda a cosmogonia Tupi-Guarani. O ser criador de todas as coisas talvez nem devesse ser chamado de Deus, dadas as diferenças do conceito Tupi, por exemplo, em relação às crenças judaico-cristãs (ou mesmo budistas e etc.), mas estaríamos então discutindo uma questão puramente etimológica. Um ser criador de todas as coisas (no caso dos tupis, havia o Espírito-Música, ou Tupã, que cantava e as coisas todas iam ganhando vida, mas também existia uma divindade superior) para um povo que nunca temeu a morte, pode então não corresponder em características com o Deus que as religiões salvacionistas tentam nos empurrar goela abaixo, mas chamá-lo ou não de Deus seria uma escolha que só os etimologistas poderiam fazer com toda a propriedade. E etimologistas são cada vez mais raros.
Está a falar da ideia de Deus ou do sentimento do sagrado? É que na minha cabeça são coisas diferentes.
Na minha cabeça também são coisas diferentes e acho importante fazer a distinção. Mas o sentimento do sagrado leva à cosmogonia. E, ainda que tenha intermediários, quase sempre, ao se estudar as cosmogonias, depara-se com um "ser supremo criador de todas as coisas". Tupã, entre os tupi-guaranis, que têm cosmogonia muito semelhante aos Sioux, que, por sua vez, muito se assemelha à mitologia germânica, por exemplo. Chamar ou não esse ser criador pelo termo "Deus", ainda que ele nada tenha a ver com os conceitos e pré-conceitos das religiões salvacionistas, passa a ser então questão puramente etimológica. E esse ser criador das cosmogonias sobreviveria mesmo se retirássemos a morte do cenário, segundo acredito, justamente por causa do sentimento do sagrado. Mas claro, é uma suposição pessoal, dada num momento em que tenho pensado e estudado um bocado sobre o assunto.
Dito isso, suponhamos também que eu pudesse escolher algo para que dele desse cabo e o mundo se visse livre de pelo menos de uma de suas maiores e mais nocivas ilusões - o meu "tiro" não seria dado no conceito de um deus criador de todas as coisas, uma vez que esse conceito existiu ou existe mesmo em culturas cujos povos nunca, segundo se pode averiguar, temeram a morte. Gastaria minha pena e tinta, sim, especificamente contra o Deus dos salvacionistas.
O Deus das três grandes religiões monoteístas tem muito pouco que ver com as formas de sentir o sagrado em compreender o mundo a que alude. Tanto nos índios, mesmo ressalvando a heterogeneidade de divindades, como no hinduísmo ou nas mitologias pagãs da Europa, vislumbramos uma associação desse princípio fundador do mundo à própria Natureza. Nada há para lá dela e muito menos com as características que judaísmo, cristianismo e islamismo introduziram, nomeadamente a hipótese de uma vida eterna num putativo paraíso ou nos infernos. Este Deus, criador de todas as coisas, tem uma relação directa com a morte, na medida em que responde a um dos maiores anseios do ser humano. Os outros estão ligados à vida, são modos de entender a nossa integração na grande dinâmica universal, cujo princípio fundador é o de que tudo está em tudo, o universo num grão de areia, o homem no universo, e tudo está em tudo sujeito à transformação.
Sim compreendo o que quer dizer. Ainda que se chame as divindades dos índios de deuses ou Deus, sei bem que não é a mesma coisa. Mas é preciso ter um cuidado etimológico que poucos têm para fazer a distinção. Chama-se as divindades de deuses ou Deus pura e simplesmente, tendo como parâmetro o criador de todas as coisas dos católicos e afins. Não é fácil admitir um "princípio fundador" que não vá além da própria Natureza! Espinosa não é para a compreensão das massas e foram-se os tempos em que o sentimento do sagrado bastava ao entendimento.
E para mim persiste a dúvida: o Deus das três religiões monoteístas (eu incluiria o hinduísmo, que também fala em salvação, por outras vias; mas que seja o Deus das três grandes monoteístas) desapareceria se simplesmente retirássemos do cenário o temor à morte? Interessante... ao pensar na possibilidade chegamos até a acreditar que o obscurantismo possa um dia desvanecer de uma vez por todas do mundo. Mas não só o temor à morte, o sentimento do sagrado também já nos levou a ideias de continuidade, ainda que não no "putativo paraíso ou nos infernos". Fico na dúvida: será realmente que só a morte nos leva a ideias como "paraíso e inferno, absolvição e pecado" etc.? Chego a torcer para que sim.
Não me parece que a morte tenha a mesma relevância nas religiões monoteístas que tem perante as outras formas de experiência do sagrado. Um exemplo muito simples para compreender essa diferença são os modos diversos de aceitação e compreensão do suicídio. Repare que a condenação que o mesmo merece nos monoteísmos não encontra paralelo nos diversos politeísmos que encontramos espalhados pelo mundo, pois nestes não há um deus para condenar a decisão derradeira do homem pôr termo à vida (exclusivo de Deus que julga e condena). Em muitos casos o suicídio é até visto como sinal de coragem e honradez, numa relação do homem com a morte que nada tem que ver com o temor induzido pelos monoteísmos: se te matares estás a faltar ao respeito a Deus, logo só poderás merecer a sua condenação. Os "deuses" não são definitivamente a mesma coisa que "Deus". Este afasta-nos da Natureza, impelindo-nos a dominá-la, os outros são a própria Natureza expressando-se na sua mais telúrica força: o sol, a lua, os mares, os ventos, as árvores, o fruto, a terra, etc, etc, etc... Estes não castigam, são o palco onde o homem representa o seu próprio papel sagrado (o de ser parte integrante de um cosmos em mutação).
Tendo como exemplo o suicídio, as coisas ficam mais claras. Realmente não tem o mesmo peso condenatório como o tem para o "Deus" das religiões monoteístas. Talvez a morte seja mesmo o ponto nevrálgico para que essas religiões ainda persistam.
Muito agradecido pelas respostas. Vou refletir sobre o assunto.
Saúde.
DRB.
Enviar um comentário