sábado, 3 de dezembro de 2016

ALERTA AMARELO

Pessoas que amam a democracia, mas são incapazes de discutir um assunto sem se exaltarem e começarem a cuspir perdigotos enquanto acusam com o indicador em riste: estás a contradizer-te. / Pessoas que detestam uniformes mas convivem pessimamente com os paradoxos do pensamento. / Pessoas para quem tudo tem uma lógica tão infalível como uma equação matemática. / Pessoas que odeiam ditaduras, mas convivem cumplicemente com o estalinismo tecnocrático de inúmeras empresas a operar no mais selvagem dos capitalismos. / Pessoas liberais para quem dois homens a beijarem-se na rua reflecte um comportamento intolerável, inadmissível. / Pessoas capazes de desencantar valores morais de entre os bichos, como se a moral não fosse uma abstracção do pensamento humano maleável pelo tempo, pela história, pela cultura, pelas ideias. / Pessoas que não são racistas, mas... / Pessoas que vivem entre outras pessoas que vivem entre outras pessoas que vivem entre animais. /Pessoas para quem os animais são pessoas mas as pessoas não são animais. / Pessoas que acreditam em Deus mais do que acreditam nos homens que têm à sua frente. / Pessoas capazes de ver um conflito onde há apenas o gozo da discussão inútil. / Pessoas que falam como se estivessem a evangelizar. / Pessoas incapazes de reconhecer a inutilidade dos conflitos. / Pessoas com duas pernas, dois braços, dois olhos, dois ouvidos, duas narinas, uma boca e um gorro enfiado na cabeça. / Pessoas que mugem, vacas que falam. / Pessoas que vivem. E subitamente desaparecem.

5 comentários:

Anónimo disse...

A ficção seria uma maneira interessante de dizer certas coisas sem que parecesse com evangelização. Mas há muitas desvantagens em dizer coisas através da ficção. E dificuldades em dizer através de ensaios, sem parecer ao menos didático, após mais de duas décadas, a título de exemplo, de pesquisas sobre determinados assuntos.
Me coloco entre as pessoas "capazes de desencantar valores morais de entre os bichos". Gosto muito de um livro que disso trata, do biólogo e primatólogo Frans de Waal, intitulado "A Era da Empatia". Há argumentos interessantes de que "amoral" não é somente "uma abstração do pensamento humano [...]".
Pensando bem, talvez me considere também do tipo de "pessoas que mugem, vacas que falam". :)
Excelente postagem.
Saúde.

Marina Tadeu disse...

Por falar em racismo, há no clube português das letras afrodescendentes com livros publicados?

hmbf disse...

Sim, há. Assim de repente, ocorre-me o José Luiz Tavares. Mas há outros.

Marina Tadeu disse...

Obrigada Henrique, sem ti não me educo. Fui logo à procura dele na internet; nta curti-bu.

hmbf disse...

:-)