Depois do drama familiar encenado em Shenandoah/O Vale da Honra (1965), Andrew V. McLaglen (n. 1920 – m. 2014) deu seguimento ao seu percurso
pelo Antigo Oeste num registo mais ligeiro. The Rare Breed/Rancho Bravo
(1966) como que aproxima o mais clássico dos géneros cinematográficos daquilo a
que hoje chamamos comédia romântica. A insistência em James Stewart no papel
principal é um forte argumento a favor deste filme, ao qual devemos adicionar a
presença da belíssima Maureen O’Hara (lembrar-se-ão dela em Rio Grande). Mas há
ainda, para os indefectíveis do western, aparições mais ou menos fugazes de actores
carismáticos tais como este respeitável trio constituído por Harry Carey Jr.,
Jack Elam e Ben Johnson. São presenças que oferecem a Rancho Bravo um proveito insofismável,
nomeadamente se tivermos em conta o plot algo caricato desta obra.
Uma inglesa
e a sua filha fazem tudo o que está ao seu alcance para introduzir nas
pradarias norte-americanas a raça de bovino Hereford, contra a incredulidade e
até o descrédito dos instalados criadores de Texas Longhorns. O pretexto serve
a Andrew V. McLaglen a possibilidade de engendrar todo um rol de piadas subtis
acerca da miscigenação, mormente acerca dos preconceitos que ainda hoje opõem
britânicos e americanos. Os estereótipos são por demais evidentes. De Inglaterra
chega-nos a forma, a América oferece-nos o conteúdo. Os primeiros são utópicos,
os segundos são pragmáticos. Talvez ambos se aproximem pela obstinação, embora
nos primeiros esta seja representada por figuras femininas e sensíveis, ao passo
que nos segundos a ela se oferece a figura do cowboy truculento.
Entre os dois
campos da batalha surge também um escocês há muito radicado na paisagem
americana, já mais descrente do que confiante, embora ousado e intransigente. A
transformação operada na aparência dessa personagem interpretada por um cómico
Brian Keith, de sotaque scottish a acompanhar uma figura abrutalhada progressivamente
transfigurada num romântico e cerimonial pretendente, é em si mesma a
representação de uma dualidade anglo-saxónica em evidência ao longo de todo o
filme. Tenhamos em conta o facto de o próprio Andrew V. McLaglen ter nascido em
Londres, radicando-se nos Estados Unidos para aí concretizar praticamente toda
a sua carreira cinematográfica. A inclinação para o western, género
tipicamente norte-americano onde conseguiu os seus filmes mais aclamados, é
reveladora da assimilação de uma cultura que, apesar das naturais ligações à
monarquia britânica, pouco tem que ver com as formalidades do império de sua majestade.
The Rare Breed, traduzível à letra por A Raça Rara, trata disto mesmo com
inquestionável fair play. Ao longo de inúmeras cenas de acção tão empolgantes quão divertidas, pode
no entanto passar despercebida a maravilhosa dádiva que este filme tem para oferecer.
Envolto numa aura de puro entretenimento, ele fala-nos dos esforços porventura contraproducentes
para domesticar o indomesticável. A raça rara que o filme patenteia é a dos
espíritos livres, autónomos, independentes, que apesar das diferenças culturais
se aproximam pela mais tirânica das leis: a natureza segue o seu curso, contra
isso pouco há a fazer. Ou talvez haja, pois no curso da natureza inclui-se a
própria acção humana, com a sua vontade e determinação em mudar, transformar,
realizar.
Talvez o que há a fazer seja precisamente deixar que o curso da
natureza se afirme, não por conformismo ou conservadorismo do que à volta se
lhe poderia opor, mas por nele estarem implícitas as contradições, os
paradoxos, os conflitos, as oposições sem as quais o progresso e a mudança
seriam inexequíveis. Enquanto arte popular, o cinema tem também esta capacidade
de reafirmar a relevância do sonho contra o determinismo das mentes mais
conservadoras. James Stewart e Maureen O’Hara acabam por encarnar uma sedutora
parelha neste processo de persecução de um sonho, ou, se preferirem, de uma
utopia, falhada a priori, mas bem-sucedida a posteriori. O final feliz e
luminoso não renega, porém, os obstáculos e as sombras encontrados pelo
caminho. Simplesmente o disfarça, para que o sonho se fomente.
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