As pessoas são exploradas, são manipuladas, são ludibriadas,
são pressionadas, são coagidas, são insultadas. E sob o tecto um sepulcral silêncio.
Por que se calam as pessoas?
“A ditadura perfeita terá as aparências da democracia, uma prisão sem muros na qual os prisioneiros não sonharão sequer com a fuga. Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e ao divertimento, os escravos terão amor à sua escravidão.” – Aldous Huxley. Acho que se calam em nome da ilusão em que se habituaram a viver e até mesmo, julgam, dela tirar "felicidade".
Vejo totalitarismo, mas medo, apenas em alguns poucos. O que dizer das pessoas que lotam os shoppings em época de natal ou grandes promoções, movidas por desenfreado ímpeto consumista? Parecem-me "exploradas, manipuladas, ludibriadas, coagidas e insultadas", mas não com medo. Parecem-me se vangloriar do sistema totalitarista que lhes promete as emoções da sociedade de hiperconsumo (como a chama Lipovetsky, em seu A Felicidade Paradoxal). E, talvez ainda mais demonstrativo, o que falar das manifestações das pessoas na Internet? Pode-se criticar por motivo ou outro a maioria das coisas que se diz em comentários, posts em redes sociais e afins, mas acho difícil alguém ver nessas manifestações preponderantes traços de medo. As pessoas, em geral, dizem o que querem dizer, mesmo aquilo que pode nos parecer o maior absurdo, sem temer represálias. Creio que às vezes temem apenas o julgamento de coisas abstratas, oriundas de seus próprios conceitos (como Deus, por exemplo). Mesmo nas camadas ditas menos "favorecidas" da sociedade, um medo sistemático não impede que digam o que pensam, a não ser quando o dito contraria alguma superstição. Claro, há países onde a realidade é outra, casos como o Irã mas, no geral, não vejo como produto do medo o "tecto" de "um sepulcral silêncio". Fiquei intrigado e, se me permite a pergunta, a que medos as pessoas estariam subjugadas, em sua opinião, para que se calem?
Medo de ficarem sem trabalho. O post refere-se ao mundo do trabalho e à forma como algumas grandes empresas hoje se organizam, fomentando o medo do despedimento entre os mais frágeis da estrutura. E esse medo agrava-se quando vivemos num tecido empresarial sem grandes alternativas.
Gostei do post. E sei que o medo de ficar sem emprego é real, genuíno. Mas duvido que as pessoas, se pudessem avistar no horizonte, digamos, um simulacro a que se viver que lhes trouxesse mais satisfação, menos exploração, manipulação etc., permanecessem em silêncio. O fato é que elas nem se atinam para possibilidades de mudança. Não estão à procura de alternativas e até as repudiariam. Pesquisas realizadas em diversos países, presentes no livro que citei acima, realizadas entre indivíduos desde os que contam com maior poder aquisitivo até as camadas mais frágeis da sociedade, mostram que o maior desejo das pessoas não é a segurança de que não perderão o emprego. Sempre que perguntadas, respondem como principal preocupação-aspitação um maior poder aquisitivo, para poderem consumir mais. E isso mesmo quando a pergunta da pesquisa estabelece paralelo entre aumento de rendimento e pobreza de terceiros. O medo de perder o trabalho é genuíno e tira o sono das pessoas, mas não figura entre suas principais aspirações ou preocupações. Só faz da tirania maior, pois os indivíduos já não desejam mais outra situação que lhes garantisse maior segurança. Desejam é receber mais para consumir mais. O mercado conseguiu impor quase que globalmente a ditadura perfeita, como previu Aldoux Huxley. Durante décadas criou demandas e mais demandas, com o apoio da publicidade e da mídia, dando corpo ao imaginário irresistível de uma vida repleta de felicidade-emoções através do consumo. A televisão chega mesmo a lares paupérrimos e nesses lares é ela quem educa (condiciona) as crianças. A saída? Creio que apenas seria possível se se repensasse a educação.
Lembrei-me de uma história interessante que ouvi não tem muito tempo. Perguntaram a um morador da favela por que motivo ele tinha preferido comprar uma TV usada e não uma cama (ele dormia com o colchão no chão). A resposta foi mais ou menos esta: "A cama me deixa preso à favela. A TV me faz viajar para bem longe".
Mas as duas coisas estão ligadas. As pessoas querem um trabalho para ganharem dinheiro para poderem consumir. A perspectiva de ficarem sem trabalho equivale à perspectiva de não poderem consumir.
Estão realmente ligadas as coisas. As perspectivas se equivalem. Mas impressiona pensar que, quando perguntadas, a preocupação de não poderem consumir vem primeiro à mente das pessoas, e a segurança de não perderem o emprego, como esteio para uma vida mais satisfatória, só é citada por pequena percentagem de indivíduos. Outra coisa interessante de se notar, citando ainda dados do mesmo livro acima mencionado, é que a aspiração por consumo não tem fim. Dizem as mesmas pesquisas que, apenas alguns dias após receberem aumento de salário, as pessoas começam a almejar novos artigos cujos custos ultrapassam o seu orçamento em 30%. Se recebem novo aumento, logo almejam consumir 30% mais. E assim indefinidamente, sempre nessa proporção. Ou seja: as pessoas silenciam por que a muitas vezes remota possibilidade de poderem consumir mais as seduz como ideário de felicidade (e o medo de perder o emprego é realmente a perspectiva de não poderem consumir), mas elas nunca se sentem satisfeitas com o tanto que consomem. O consumo nunca lhes traz satisfação a não ser um certo reconforto efêmero. Daí o mercado sempre disposto a trazer ao público "novidades" a cada semana. Mercado que criou e incentiva essa demanda interminável por novidades. Citando um exemplo fácil de um "produto" mais acessível, só no Japão são tiradas patentes de cerca de 60 tipos de novas bebidas não-alcoólicas por ano. No Brasil, em meio aos anos considerados bons do governo Lula, em que muitos brasileiros passaram a poder consumir mais, as bebidas envasadas em caixas foram justamente um dos primeiros produtos que passaram a fazer parte das compras mensais da "nova classe média". Essa mesma "nova classe média" que, poucos anos depois, foi às ruas, movida principalmente pela mídia, para exigir o impeachment do governo do PT.
9 comentários:
medo.
“A ditadura perfeita terá as aparências da democracia, uma prisão sem muros na qual os prisioneiros não sonharão sequer com a fuga. Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e ao divertimento, os escravos terão amor à sua escravidão.” – Aldous Huxley. Acho que se calam em nome da ilusão em que se habituaram a viver e até mesmo, julgam, dela tirar "felicidade".
Pois, o medo, essa coisa típica dos totalitarismos.
Vejo totalitarismo, mas medo, apenas em alguns poucos. O que dizer das pessoas que lotam os shoppings em época de natal ou grandes promoções, movidas por desenfreado ímpeto consumista? Parecem-me "exploradas, manipuladas, ludibriadas, coagidas e insultadas", mas não com medo. Parecem-me se vangloriar do sistema totalitarista que lhes promete as emoções da sociedade de hiperconsumo (como a chama Lipovetsky, em seu A Felicidade Paradoxal). E, talvez ainda mais demonstrativo, o que falar das manifestações das pessoas na Internet? Pode-se criticar por motivo ou outro a maioria das coisas que se diz em comentários, posts em redes sociais e afins, mas acho difícil alguém ver nessas manifestações preponderantes traços de medo. As pessoas, em geral, dizem o que querem dizer, mesmo aquilo que pode nos parecer o maior absurdo, sem temer represálias. Creio que às vezes temem apenas o julgamento de coisas abstratas, oriundas de seus próprios conceitos (como Deus, por exemplo). Mesmo nas camadas ditas menos "favorecidas" da sociedade, um medo sistemático não impede que digam o que pensam, a não ser quando o dito contraria alguma superstição.
Claro, há países onde a realidade é outra, casos como o Irã mas, no geral, não vejo como produto do medo o "tecto" de "um sepulcral silêncio". Fiquei intrigado e, se me permite a pergunta, a que medos as pessoas estariam subjugadas, em sua opinião, para que se calem?
Medo de ficarem sem trabalho. O post refere-se ao mundo do trabalho e à forma como algumas grandes empresas hoje se organizam, fomentando o medo do despedimento entre os mais frágeis da estrutura. E esse medo agrava-se quando vivemos num tecido empresarial sem grandes alternativas.
Gostei do post. E sei que o medo de ficar sem emprego é real, genuíno. Mas duvido que as pessoas, se pudessem avistar no horizonte, digamos, um simulacro a que se viver que lhes trouxesse mais satisfação, menos exploração, manipulação etc., permanecessem em silêncio. O fato é que elas nem se atinam para possibilidades de mudança. Não estão à procura de alternativas e até as repudiariam. Pesquisas realizadas em diversos países, presentes no livro que citei acima, realizadas entre indivíduos desde os que contam com maior poder aquisitivo até as camadas mais frágeis da sociedade, mostram que o maior desejo das pessoas não é a segurança de que não perderão o emprego. Sempre que perguntadas, respondem como principal preocupação-aspitação um maior poder aquisitivo, para poderem consumir mais. E isso mesmo quando a pergunta da pesquisa estabelece paralelo entre aumento de rendimento e pobreza de terceiros.
O medo de perder o trabalho é genuíno e tira o sono das pessoas, mas não figura entre suas principais aspirações ou preocupações. Só faz da tirania maior, pois os indivíduos já não desejam mais outra situação que lhes garantisse maior segurança. Desejam é receber mais para consumir mais. O mercado conseguiu impor quase que globalmente a ditadura perfeita, como previu Aldoux Huxley. Durante décadas criou demandas e mais demandas, com o apoio da publicidade e da mídia, dando corpo ao imaginário irresistível de uma vida repleta de felicidade-emoções através do consumo. A televisão chega mesmo a lares paupérrimos e nesses lares é ela quem educa (condiciona) as crianças.
A saída? Creio que apenas seria possível se se repensasse a educação.
Lembrei-me de uma história interessante que ouvi não tem muito tempo. Perguntaram a um morador da favela por que motivo ele tinha preferido comprar uma TV usada e não uma cama (ele dormia com o colchão no chão). A resposta foi mais ou menos esta: "A cama me deixa preso à favela. A TV me faz viajar para bem longe".
Mas as duas coisas estão ligadas. As pessoas querem um trabalho para ganharem dinheiro para poderem consumir. A perspectiva de ficarem sem trabalho equivale à perspectiva de não poderem consumir.
Estão realmente ligadas as coisas. As perspectivas se equivalem. Mas impressiona pensar que, quando perguntadas, a preocupação de não poderem consumir vem primeiro à mente das pessoas, e a segurança de não perderem o emprego, como esteio para uma vida mais satisfatória, só é citada por pequena percentagem de indivíduos.
Outra coisa interessante de se notar, citando ainda dados do mesmo livro acima mencionado, é que a aspiração por consumo não tem fim. Dizem as mesmas pesquisas que, apenas alguns dias após receberem aumento de salário, as pessoas começam a almejar novos artigos cujos custos ultrapassam o seu orçamento em 30%. Se recebem novo aumento, logo almejam consumir 30% mais. E assim indefinidamente, sempre nessa proporção. Ou seja: as pessoas silenciam por que a muitas vezes remota possibilidade de poderem consumir mais as seduz como ideário de felicidade (e o medo de perder o emprego é realmente a perspectiva de não poderem consumir), mas elas nunca se sentem satisfeitas com o tanto que consomem. O consumo nunca lhes traz satisfação a não ser um certo reconforto efêmero. Daí o mercado sempre disposto a trazer ao público "novidades" a cada semana. Mercado que criou e incentiva essa demanda interminável por novidades.
Citando um exemplo fácil de um "produto" mais acessível, só no Japão são tiradas patentes de cerca de 60 tipos de novas bebidas não-alcoólicas por ano. No Brasil, em meio aos anos considerados bons do governo Lula, em que muitos brasileiros passaram a poder consumir mais, as bebidas envasadas em caixas foram justamente um dos primeiros produtos que passaram a fazer parte das compras mensais da "nova classe média". Essa mesma "nova classe média" que, poucos anos depois, foi às ruas, movida principalmente pela mídia, para exigir o impeachment do governo do PT.
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