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Ali, onde morriam os malditos
no inferno decadente e louco
no manicómio infinito,
onde os membros entorpecidos
se envolviam no linho
como num sudário semita,
ali onde as sombras do trespasse
te acariciavam os pés descalços
saídos de baixo dos lençóis,
e as ligaduras tórridas
te sulcavam os pulsos e também as mãos,
e cheiravas a fezes,
ali, no manicómio
era fácil trasladar
tocar o paraíso.
Era com a mente em chamas que o fazias,
com as mãos encharcadas de suor,
com o pénis erecto no ar
como uma obscenidade para Deus,
ali, no manicómio
onde os gritos eram abafados
por almofadas sanguinárias
ali tu vias Deus
não sei, entre as ideias translúcidas
da tua grande loucura.
Deus aparecia-te
e o teu corpo esboroava-se,
migalhas louras e cheirosas
que desciam para devastar
enxames de imprevistas andorinhas.
Alda Merini, in A Terra Santa, trad. Clara Rowland, Edições Cotovia, Fevereiro de 2004, pp. 65-67.
2 comentários:
Puxa! Grande poema.
Todo este livro é muito bom. E a Alda Merini era a maior. Adoro um vídeo dela a tocar o Johnny Guitar ao piano. Vai ai Youtube e pesquisa por Alda Merini, tens uns documentos preciosos.
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