Gosto quando um escritor não se inibe de manifestar
publicamente as suas inclinações políticas, sobretudo quando as mesmas fogem ao
politicamente correcto. É isso que J. Rentes de Carvalho, há muito radicado na
Holanda, faz aqui. Eu seria incapaz de oferecer o meu voto, mesmo que de
protesto, a um político condenado por discurso de ódio. Wilders não quer
marroquinos na Holanda, ironiza com a condenação de racismo de que foi alvo
dizendo que os marroquinos não são uma raça, compara o Islão ao Nazismo. Paradoxalmente,
a ideia de “desislamizar a Holanda” é muito mais parecida com a outrora
intenção de expurgar a Alemanha de judeus. Os judeus que Geert Wilders admira,
por nele tudo ser anti-Islão. É filho de uma mãe que emigrou da Indonésia, antiga colónia holandesa, para a Holanda, “pinta o cabelo de louro oxigenado”, faz da islamofobia uma
bandeira. Ora, repugna-me todo o discurso político fundamentado numa retórica
do medo. As fobias são inimigas da política. J. Rentes de Carvalho vota nesta
criatura desprezível como forma de protesto, talvez pelas mesmíssimas razões
que levam tantos turcos a manifestarem-se por um poder absoluto que Erdoğan se
prepara para conquistar. Admirável mundo este em que democraticamente tantos antidemocratas
podem almejar o poder.
9 comentários:
Quanto a mim: uma imbecilidade. Mas respeito a opinião e o voto do Senhor. Mas que é uma imbecilidade: lá isso, quanto a mim, é.
Protestos perigosos, estes. Imagine-se que muitos decidem manifestar o seu protesto de igual forma! A mim, preocupa-me, ainda que seja uma conquista da democracia.
Boa tarde, hmbf.
Incautos protestos.
E é politicamente correcto ou politicamente incorrecto achar que o teu "like" é politicamente correcto?
Quanto ao "protesto" do senhor em questão foram muitos desses "protesto" que levaram ao Incêndio do Reichstag e a tudo o resto.
É uma avaliação que não me parece legítima, Jorge, tendo em conta o meu manifesto repúdio pelo político em causa. De resto, em tempos manifestei desprezo semelhante pelas declarações do poeta Barahona a propósito dos atentados terroristas levados a cabo por "filhos do Islão".
Terás razão, Henrique, mas a questão de fundo permanece. Pegando no Weber, e na sua distinção entre ética da convicção e ética da responsabilidade, e deslocando a coisa do domínio do estritamente político e dos seus meandros para a esfera individual, das duas uma: ou o voto de protesto do senhor não é voto de protesto nenhum mas uma convicção politica arreigada (por muito que ele tente dourar a pílula e que diga que normalmente não tomaria tal opção e que que tudo é contextual, como se a legítima subida do nacional socialismo ao poder não tivesse sido, também ela, contextual), ou então a ética da responsabilidade (onde se exerce verdadeiramente a política, no seu sentido mais intrincado mas também nobre) é apenas uma carta em branco para, a pretexto de um determinado contexto, seja ele qual for, tudo passar a ser permitido (sobretudo aquilo que no fundo vai de encontro às nossas ideias).
Como eu sou daqueles que ainda acredita que a 2.ª nunca se deverá curvar à 1.ª para mim o senhor é um fascista encapuçado, com um pé no populismo mais abjecto e um outro na desresponsabilização domingueira.
Concordo contigo sobre a análise política, discordo do juízo acerca da personalidade. Encapuçado não é, mesmo que seja fascista. Está tudo à claras e público, daí o meu "gosto".
Não conheço a personalidade, ou os livros. E uma vez mais terás razão, "encapuçado" não é definitivamente o melhor termo, não tendo em conta aquilo que ressaltas: o carácter público da sua posição. Substitui-o, tendo em conta as razões que o sr. elenca como desculpa para o seu "protesto", por um "titubeante", um "timidamente incontrito", ou deixa só o fascista mesmo.
Já li alguns romances do J. Rentes de Carvalho e acompanho o weblog, deixei notas de leitura sobre alguns dos seus livros por aqui. As posições políticas assumidas por um autor, em regra, não influenciam a minha simpatia/admiração pela obra. Não será excepção. Ao contrário de outras pessoas também não julgo que ambas, obra e política, devam ser interpretadas separadamente como se não houvesse qualquer ligação entre elas, como se um escritor quando escreve deixasse de ser cidadão. Mas neste caso parece-me precipitado qualquer juízo que extravase o momento em concreto e esta declaração de voto específica.
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