O boato é o principal alimento dos homens. Aumenta com inaudita rapidez. Basta uma frase, e pronto: corre, envolve, gira, domestica, cresce, baralha, mistura notícias e configurações, procura apoios, dá explicações, resolve qualquer contradição: é panaceia.
São diversos os seus progenitores: velhos, guardas, cartas, rádio, externos, viajantes, fugitivos, camponeses dos arredores, vestíbulos, esperas, filas.
Abala os mais cépticos, exalta os abatidos, corre, voa e agita-se, desconhecido. De onde parte? Do ar e sempre com um saborzinho de verdade escondida. Cada boato tem o seu pequeno grão minúsculo, a questão é dar com ele, o sabor está na interpretação. Disseca-se e desdobra-se como uma célula qualquer, mais parideiro do que uma coelha. Forma grupos, desfaz reuniões, indo cada qual formar um novo centro, rede nervosa, rapidez de luz, toque de imaginação, vanguarda de desejos, fruto natural do sonho, pimenta da reclusão, erupção das noites, desgosto dos íntegros, calafrio de tolos, sonho incarnado de fracos. Desvanece-se com outro, e de boato em boato passa o tempo, boato de boatos. Faz-se noite, chega o sono e a morte: outro boato.
Max Aub, in Manuscrito Corvo, tradução e prefácio de Júlio Henriques, Antígona, Junho de 2017, pp. 98-99.
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