Quando se fala dos homens solitários, pressupõe-se sempre demasiado. Pensa-se que as pessoas sabem de que se trata. Não, não sabem. Nunca viram um homem solitário, apenas o detestaram, sem o conhecer. Foram os seus vizinhos que o consumiram, e as vozes do quarto ao lado que o tentaram. Excitaram as coisas contra ele, para que fizessem barulho e o abafassem. As crianças juntaram-se contra ele, por ele ser delicado e criança, e a cada momento do seu crescimento crescia contra os adultos. Eles seguiam o seu rasto até ao seu esconderijo como um animal que se pode caçar e a sua longa juventude não teve época de defeso. E quando não se deixava ficar exausto e escapava, eles gritavam sobre o que dele procedia e diziam que era feio e lançavam suspeitas sobre ele. E quando não lhes dava ouvidos, tornavam-se mais óbvios e devoravam-lhe o alimento e respiravam-lhe o ar e cuspiam na sua pobreza, para que ela se lhe tornasse repugnante. Difamavam-no como se fosse contagioso e atiravam-lhe pedras, para que se afastasse mais depressa. E tinham razão no seu instinto antigo, pois ele era verdadeiramente o seu inimigo.
Mas quando ele não levantava os olhos, reflectiam. Pressentiam que com tudo isso só lhe faziam a vontade; que o fortaleciam no seu estar só, e o ajudavam a desligar-se deles para sempre. E então mudavam de táctica e lançavam mão a um último recurso, o mais extremo, a outra resistência: a fama. E com esta ruidosa agitação quase todos levantavam os olhos e se distraíam.
Rainer Maria Rilke, in As Anotações de Malte Laurdis Brigge, trad. Maria Teresa Dias Furtado, Relógio D'Água, Dezembro de 2003, pp. 173-174.
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