Referi-me anteriormente a dois filmes de Andrew V. McLaglen (n.
1920 – m. 2014), ambos da década de 1960, ambos com o lendário James Stewart como
protagonista. O drama familiar Shenandoah (1965) e a comédia romântica The Rare Breed (1966) são, cada qual pelas suas razões, dois westerns a destacar numa
filmografia maioritariamente dedicada a esse género. Mas McLaglen estreou-se ainda
na década de 1950. Gun the Man Down (1956) foi o segundo filme que assinou
enquanto realizador, o primeiro western depois de um estágio dignificante como
assistente do mestre dos mestres John Ford. Para o efeito, requisitou um leque
de actores que ou viriam a tornar-se emblemáticos ou já o eram por
circunstâncias diversas.
A actriz Angie Dickinson, aqui no seu primeiro papel
relevante para cinema, viria a estrelar em Rio Bravo (1959), de Howard Hawks
(n. 1896 – m. 1977), ao lado de John Wayne e de Dean Martin. James Arness, o
herói de Gun the Man Down, ganhou fama neste filme como personagem do Velho Oeste,
vindo a conquistar o importante papel de Marshal Matt Dillon em mais de 600
episódios da famosa série Gunsmoke. O actor Emile Meyer, no papel de sheriff,
já tinha conquistado um lugar na história do western com participações em Man with the Gun/Sozinho Contra a Cidade (1955), Drums Across the River/Tambores ao Longe (1954) e no incontornável Shane (1953). Robert J. Wilke, o mau da fita,
tinha integrado o elenco de High Noon/O Comboio Apitou Três Vezes (1952) e
Harry Carey Jr. era à época um experiente actor com papéis em westerns eternos tais
como The Searchers/A Desaparecida (1956), Rio Grande (1950) e Wagon Master/ACaravana Perdida (1950), todos com a assinatura de John Ford.
A primeira cena
de Gun The Man Down, ainda anterior aos créditos de abertura, coloca em cena três
homens e uma mulher. Eles alinham a táctica para o assalto a um banco enquanto
ela os observa. No final da sequência, ficam dentro de casa apenas um dos
homens e a mulher. Ele é James Arness, ela é Angie Dickinson. Estão
apaixonados, abraçam-se e prometem-se um futuro melhor. O assalto será como que
o financiamento possível para uma vida respeitável. Sucede que no decorrer do
assalto, que não nos é dado ver (para quê?), ele regressa ferido. E ela acaba
por abandoná-lo moribundo, fugindo com os outros dois elementos do grupo. Assim
começa uma clássica história de traição, previsivelmente transformada numa
tradicional história de vingança. O moribundo é capturado e condenado a um ano
de prisão, sem denunciar os seus comparsas na determinação de que será ele a
vingar-se no futuro. Assim seja. Paralelamente a essa narrativa algo
previsível, de um moralismo típico que faz equivaler a traição à cobardia,
temos a figura carismática do Sheriff Morton, interpretado por Emile Meyer, e
do Deputy Lee, desempenhado por Harry Carey, Jr.
Estes dois experientes actores
acabam por ser a mais interessante parelha de um western iniciático. A voz da
consciência é acompanhada nessa dupla pela experiência, nomeadamente a do
Sheriff Morton. Ele distancia-se dos acontecimentos colocando-se no lugar de
observador. Não interfere senão por mensagens subtis que demarcam o campo de
acção, os limites da paciência e da tolerância. Deixa os acontecimentos
correrem, mas com ponderação. Dá-nos a segurança de que domina as circunstâncias
por antever nos actos as consequências. No duelo final, senta-se à sombra de uns arbustos a
fumar um cigarro. A impaciência do assistente contrasta com a sua serenidade. E
esta serenidade é exactamente o oposto da cobardia dos traidores, os quais se
mostram precipitados e, por isso mesmo, a cada passo que dão mais se aproximam
de um precipício fatal. O Sheriff Morton é um figurão discreto, nada tem que
ver com o mito do sheriff implacável e intolerante, de uma coragem hiperbólica
ou cativo da corrupção local. É um homem tão isolado nos seus métodos como o
jovem Rem Anderson nos seus propósitos. Rem Anderson, a personagem de James
Arness, é o moribundo renascido das cinzas com a intenção de se vingar. A
intenção será satisfeita, mas desta feita sem trair a lei. Nele, a vingança
será em legítima defesa. O Sheriff Morton compreende-o desde o início, sem
juízos precipitados nem condenações irreflectidas. A distância e a observação
oferecem-lhe essa capacidade. Ver no escuro não é função para qualquer animal.
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