Há
dias, tive a oportunidade de assistir a um debate entre todos os candidatos à
Câmara Municipal de Caldas da Rainha. Falou-se da zona industrial, de
mobilidade, de turismo, de comércio, de termalismo. Nem uma palavra sobre
cultura, à excepção das que o candidato da CDU conseguiu proferir na relação
possível com os temas abordados. É inacreditável como se pode falar de turismo,
a título de exemplo, sem se falar de cultura. Como abordar a questão do
património sem falar de cultura? Continua a verificar-se um descaso e até uma
clara incompreensão para com a questão cultural, tantas vezes confundida e
reduzida à produção artística, cuja consequência são orçamentos anémicos e
negligentes para tudo quanto tenha que ver com o tema em apreço. Não sei como
pode uma cidade ser pensada, ainda mais uma cidade com as características de
Caldas da Rainha, sem ser a partir de uma articulação permanente entre cultura
e demais assuntos.
Jardim das Águas (evaporadas)
Alguém
que se arme em turista por aqui verificará com a maior das facilidades a
inexistência dessa articulação. Fi-lo muito recentemente, podendo constatar,
mais uma vez, que a actualidade não desmente o quotidiano das últimas décadas.
O Centro Cultural e de Congressos vive de costas voltadas para a cidade, com
uma programação cuja função de serviço público está longe de ser cumprida. Quem
por ali comece a visitar a cidade ficará sem saber para onde se dirigir depois
da visita. Não há um mapa, uma planta, não há um folheto com referência aos
monumentos e vários museus que podem ser visitados em Caldas da Rainha. Há um
edifício fechado sobre si próprio, inacessível, sem qualquer relação com as
demais instituições locais. Se à saída caminharmos na direcção das cinco bicas,
depararemos logo ali por trás com um cenário desolador. Aquilo a que chamam
Jardim da Água é um deserto que de água nem pingo, mais parece um parque de
actividades radicais, ruínas desenquadradas onde nem uma porcaria de uma placa
explicativa oferece ao visitante a oportunidade de se familiarizar com o nome
de Ferreira da Silva (1928-2016).
A bactéria atacou as paredes do Museu.
Descendo
na direcção do Museu do Hospital, damos com paredes num estado que custa
acreditar. Ouvir no debate acima referido o actual presidente da câmara
referir-se ao combate acérrimo ao grafiti não artístico, sem esboçar um sorriso
de ironia, dá-nos a certeza de que estamos perante um munícipe que não conhece
a cidade a que preside. Ou então precisa de óculos. Saímos do Museu do Hospital
e dirigimo-nos para o Parque D. Carlos I, passando pela Igreja de Nossa Senhora
do Pópulo (fechada aquando da última digressão deste que vos escreve) e por um
túnel com estranhas ocupações artísticas:
O Céu
de Vidro, belíssima porta de entrada para o Parque, parece ter os dias contados
se a actual proposta de recuperação dos Pavilhões do Parque vier a
concretizar-se. Teme-se mais um atentado irrecuperável ao património histórico
local, desta feita com implicações medonhas na gestão do espaço público. No
Museu de José Malhoa encontramos salas mal iluminadas, algumas com falhas de
iluminação que impossibilitam inclusive uma apreciação mínima das obras
expostas. A visita custa 3€, sem direito a brochura explicativa. A simpática
funcionária desenrascou-me um desdobrável em língua inglesa, encolhendo os
ombros com o natural lamento: “é o que temos”. Quem ao sair do museu queira
descobrir o Centro de Artes, terá que se munir de GPS. A sinalética existente é
inútil (quando existe). Saindo do Parque pela Rua Rafael Bordalo Pinheiro, o
tirista dará com a antiga Fábrica Bordallo Pinheiro. Com o que dela resta,
melhor dizendo. O estado de conservação é degradante, ou seja, é um
investimento na ruína.
Instalação de vidros partidos.
No
Centro de Artes há imensa coisa para ver, do Museu Barata Feio ao Espaço da
Concas. O espaço é agradável, mas quem lá vai? Quando cheguei a casa, perguntei
à minha filha de 14 anos se em 9 anos de vida escolar alguma vez realizou uma
vista de estudo a qualquer uma destas instituições. Zero. Será que as pessoas à
frente destas instituições se sentam pelo menos uma vez por ano para debaterem
ideias, promoverem acções conjuntas, pensarem e reflectirem com o intuito de
partilharem objectivos? Quantos dos mais de 50000 habitantes da cidade foram
pelo menos uma vez na vida turistas no seu concelho? Como é possível visitarmos
estas instituições e não darmos com uma referência ao Teatro da Rainha, à
Biblioteca, ao Centro da Juventude, à ESAD, aos Silos? Haverá alguém
interessado em gerar pontes entre estas instituições, de modo a que seja
possível uma política cultural coerente e inclusiva, diversa, multidisciplinar,
voltada para as pessoas de dentro e para as de fora?
Décadas de governação PPD/PSD já não são sintoma de
descaso, de desarticulação, de incompetência, são o logro absoluto que temos
vindo a suportar, uns interesseiramente, outros desinteressados, uns com
preocupação, outros desistentes, uns enfastiados, outros conformados. Claros
são o logro e o malogro, ainda que os tentem disfarçar com cavalos no parque,
festas da fruta, gigantescas e iluminadas árvores de Natal. A melhor forma de
ludibriar as pessoas é precisamente distraí-las da cidade, nada fazer para que por
ela andem e circulem de olhos abertos. Para quê uma cidade que não se desfruta? Andar de olhos abertos pelas ruas de Caldas da Rainha é
quanto basta para atestar da sua degradação. Portanto, reflecte filho. Mas não
reflectias muito. Sai de casa, passeia pelas ruas e retira as tuas conclusões.
5 comentários:
mas que porra de estendal era esse? e sem surpresas irá continuar tudo na mesma, grrrr!
Bom artigo. Ouso pedir que escreva sobre a utilização do Parque D. Carlos I em feiras "pimbas e cavalares" que invadem um espaço criado para o lazer e a contemplação, nem sequer respeitando a dignidade do Museu Malhôa e do seu espaço envolvente. Se o ganhador das eleições disse como slogan "No caminho certo" isso quer dizer que nada mudará.
Luís Rodrigues
Estou a pensar em criar aqui uma etiqueta intitulada No rumo certo, de modo a que fique devidamente arquivada a obra do timoneiro reeleito.
Às vezes digo que os Caldenses só têm o que merecem, mas eu sei que mereciam muito melhor, Henrique.
E da cidade nem se fala. Só gente burra é que em vez de aproveitar as potencialidades turísticas de uma cidade única, as esconde ou destrói...
Realmente isto é um caso perdido, amigo.
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