segunda-feira, 2 de julho de 2018

UM POEMA DE MARGARIDA VALE DE GATO

MUTILAÇÃO

Se por fora não pareço oca dentro
podre ao centro estou.

Sem querer armar-me em modernista tenho Alturas
em que experimento a lúcida perceção
quase materialista e táctil
do progresso da loucura
sou tal película sobre-
posta sobre-exposta,
precipitado cálculo de abertura —

aí o pânico a insónia eu cindida.
Só escrever me alivia um pouco
e dantes inclusive consolava;
agora é mais um corte
que sob a pele se exerce a prevenir
a coisa mais violenta que me pulsa na cabeça
e compulsivamente desta forma se escoa
mas não seca nunca estanca apenas se desloca.

E quanto disto não assenta na suspeita
de que me torno assim pior pessoa?


Margarida Vale de Gato, in Mulher ao Mar e Grinalda, 1.ª edição, Mariposa Azual, Março de 2018, p. 34.

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