Tão útil quanto uma enciclopédia, que não esgota a
sabedoria mas garante boa figura, é um dicionário. A indispensabilidade da
ferramenta obriga a critérios rigorosos de selecção, os quais deverão ter em
conta, antes de mais, os pergaminhos do organizador e o fontanário de significados.
Deve ser usado com rigor e prudência, parcimoniosamente, de modo a não
desgastar eventuais interlocutores sintonizados em frequências distintas da
nossa. Como neste mundo em que vivemos Deus é
quem vigora, para mal dos nossos pecados comandando à hipocrisia quem na terra lhe obedeça, manda a
inteligência que dominemos a linguagem do seu mais vetusto oponente. Assim
sendo, minhas filhas, deixo-vos de herança o “Dicionário do Diabo”, com o qual
e através do qual podeis desbravar caminho para que vossos bondosos corações
toquem vossas inocentes inteligências. Lede com atenção este Dicionário e rapidamente
estareis munidas de material para a vida e, quem sabe, para a morte. Ora dizei
lá uma palavra começada pela letra A:
AMOR, n. Demência temporária que se cura com o casamento,
ou afastando o paciente das influências que provocaram a enfermidade. Esta
doença, tal como a cárie e outras, prevalece apenas entre as raças civilizadas
que vivem em condições artificiais; as nações bárbaras que respiram ar puro e
comem alimentos simples são imunes aos seus ataques. Chega a ser fatal, embora
mais para o médico do que para o paciente.
Ora experimentai outra começada por L:
LIBERDADE, n. Um dos bens mais valiosos da Imaginação.
O
povo insurgido, exaltado e forte,
Gritava para o palácio: «Liberdade ou morte!»
«Se é a morte que quereis,
deixai-me reinar»,
Disse o Rei, «pois não tereis
mais que vos queixar.»
Martha Braymance
Tão valorosa investigação devemo-la, por ironia, a um norte-americano.
Nem tudo o que provém das terras do Demo é mau, apesar de por lá jurarem com as
patas sobre a Bíblia (obra a todos os títulos desaconselhável). Ambrose Bierce
(n. 1842), desaparecido no México (boas terras) em 1914, vendeu a alma ao
chifrudo durante 3 décadas, tendo originalmente compilado o pensamento do
mestre em 1911 (em 1906, surgiu uma primeira versão com outro título). Por cá,
só conheço uma edição truncada, a da Tinta-da-china, que é de Janeiro de 2006 e
foi prefaciada pelo estimável Pedro Mexia (católico, conservador, pessimista,
não necessariamente por esta ordem). Ora digam lá uma palavra começada por P:
PESSIMISMO, n. Uma filosofia que se impõe às convicções
do observador devido à preponderância desanimadora do optimista, com a sua
esperança idiótica e o seu sorriso disforme.
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