quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

100 LIVROS PARA AS MINHAS FILHAS #2



Tão útil quanto uma enciclopédia, que não esgota a sabedoria mas garante boa figura, é um dicionário. A indispensabilidade da ferramenta obriga a critérios rigorosos de selecção, os quais deverão ter em conta, antes de mais, os pergaminhos do organizador e o fontanário de significados. Deve ser usado com rigor e prudência, parcimoniosamente, de modo a não desgastar eventuais interlocutores sintonizados em frequências distintas da nossa. Como neste mundo em que vivemos Deus é quem vigora, para mal dos nossos pecados comandando à hipocrisia quem na terra lhe obedeça, manda a inteligência que dominemos a linguagem do seu mais vetusto oponente. Assim sendo, minhas filhas, deixo-vos de herança o “Dicionário do Diabo”, com o qual e através do qual podeis desbravar caminho para que vossos bondosos corações toquem vossas inocentes inteligências. Lede com atenção este Dicionário e rapidamente estareis munidas de material para a vida e, quem sabe, para a morte. Ora dizei lá uma palavra começada pela letra A:

AMOR, n. Demência temporária que se cura com o casamento, ou afastando o paciente das influências que provocaram a enfermidade. Esta doença, tal como a cárie e outras, prevalece apenas entre as raças civilizadas que vivem em condições artificiais; as nações bárbaras que respiram ar puro e comem alimentos simples são imunes aos seus ataques. Chega a ser fatal, embora mais para o médico do que para o paciente.

Ora experimentai outra começada por L:

LIBERDADE, n. Um dos bens mais valiosos da Imaginação.

           O povo insurgido, exaltado e forte,
Gritava para o palácio: «Liberdade ou morte!»
«Se é a morte que quereis, deixai-me reinar»,
Disse o Rei, «pois não tereis mais que vos queixar.»
                                                               Martha Braymance

Tão valorosa investigação devemo-la, por ironia, a um norte-americano. Nem tudo o que provém das terras do Demo é mau, apesar de por lá jurarem com as patas sobre a Bíblia (obra a todos os títulos desaconselhável). Ambrose Bierce (n. 1842), desaparecido no México (boas terras) em 1914, vendeu a alma ao chifrudo durante 3 décadas, tendo originalmente compilado o pensamento do mestre em 1911 (em 1906, surgiu uma primeira versão com outro título). Por cá, só conheço uma edição truncada, a da Tinta-da-china, que é de Janeiro de 2006 e foi prefaciada pelo estimável Pedro Mexia (católico, conservador, pessimista, não necessariamente por esta ordem). Ora digam lá uma palavra começada por P:

PESSIMISMO, n. Uma filosofia que se impõe às convicções do observador devido à preponderância desanimadora do optimista, com a sua esperança idiótica e o seu sorriso disforme.

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