sábado, 2 de março de 2019

BRUTO E FERO

Quando era ainda uma menina de doze anos liam-se na aula os poetas portugueses. Entre eles estava Almeida Garrett, alguém de quem Verdi teria feito um personagem operático. Já ouviram o seu poema maior em que confessa um amor desesperado? "Ai! não te amo, não; e só te quero / De um querer bruto e fero / Que o sangue me devora / Não chega ao coração." Por detrás dos óculos com aros de aço, a madre professora olhava com escândalo e cólera as raparigas, mais turbulentas do que o costume. Mas Camila guardava um recato que parecia próprio do seu orgulho. Era mais surpresa, porque se admirava que o amor pudesse ser bruto e fero e, ao mesmo tempo, era assim que o queria. Tudo o mais era intriga vulgar e devaneio de corte. 

Agustina Bessa-Luís, in Os Espaços em Branco, Lisboa, Guimarães Editores, 2003, p. 85, citada por Isabel Rio Novo, in O Poço e a Estrada - Biografia de Agustina Bessa-Luís, Contraponto, Fevereiro de 2019, p. 435.

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