É ter entrado na existência com um coração que transborda de amor sincero e puro por tudo quanto o rodeia, e ajuntarem-se os homens e lançarem-lhe dentro do seu vaso de inocência lodo, fel e peçonha e, depois, rirem-se dele.
É o ter dado às palavras - virtude, amor pátrio e glória - uma significação profunda e, depois de haver buscado por anos a realidade delas neste mundo, só encontrar aí hipocrisia, egoísmo e infâmia.
É o perceber à custa de amarguras que o existir é padecer, o pensar descrer, o experimentar desenganar-se e a esperança nas cousas da terra uma cruel mentira de nossos desejos, um fumo ténue que ondeia em horizonte aquém do qual está assentada a sepultura.
Este é o acordar do poeta. Depois disso, nos abismos da sua alma só há para mandar aos lábios um sorriso de desprezo em resposta às palavras mentidas dos que o cercam ou uma voz de maldição desabridamente sincera para julgar as acções dos homens.
É então que para ele há unicamente uma vida real - a íntima; unicamente uma linguagem inteligível - a do bramido do mar e do rugido dos ventos; unicamente uma convivência não travada de perfídia - a da solidão.
Alexandre Herculano, in Eurico, O Presbítero, MEL Editores, Junho de 2011 (1.ª edição, 1844), pp. 30-31.
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