quarta-feira, 28 de agosto de 2019

ORAÇÃO PELA LIBERTAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS


Dedicado a Marçal Tupã-y, cacique guarani nhandewa assassinado em 1983

Parem de podar as minhas folhas e tirar a minha enxada
Basta de afogar as minhas crenças e torar minha raiz
Cessem de arrancar os meus pulmões e sufocar minha razão
Chega de matar minhas cantigas e calar a minha voz.
Não se seca a raiz de quem tem sementes
Espalhadas pela terra pra brotar.
Não se apaga dos avós - rica memória
Veia ancestral: rituais pra se lembrar
Não se aparam largas asas
Que o céu é liberdade
E a fé é encontrá-la.
Rogai por nós, meu pai - Xamã
Pra que o espírito ruim da mata
Não provoque a fraqueza, a miséria e a morte.
Rogai por nós - terra nossa mãe
Pra que essas roupas rotas
E esses homens maus
Se acabem ao toque dos maracás.
Afastai-nos das desgraças, da cachaça e da discórdia,
Ajudai a unidade entre as nações.
Alumiai homens, mulheres e crianças,
Apagai entre os fortes a inveja e a ingratidão.
Dai-nos a luz, fé na vida, nas pajelanças,
Evitai, ó Tupã, a violência e a matança.
Num lugar sagrado junto ao igarapé
Nas noites de luas cheias, ó Marçal, chamai
Os espíritos das rochas pra dançarmos o Toré.
Trazei-nos nas festas da mandioca e pajés
Uma resistência de vida
Após bebermos nossa chicha com fé.
Rogai por nós, ave dos céus
Pra que venham onças, caititus, siriemas e capivaras
Cingir rios Juruena, São Francisco e Paraná.
Cingir até os mares do Atlântico
Porque pacíficos somos, no entanto.
Mostrai nosso caminho feito boto
Alumiai pro futuro nossa estrela
Ajudai a tocar as flautas mágicas
Pra vos cantar uma cantiga de oferenda
Ou dançar num ritual Iamaká.
Rogai por nós, Ave-Xamã
No Nordeste, no Sul toda a manhã
No Amazonas, agreste ou no coração da cunhã.
Rogai por nós, araras, pintados ou tatus
Vinde em nosso encontro
Meu Deus - Nhendiru!
Fazei feliz nossa mintã
Que de barrigas índias vão renascer.
Dai-nos cada dia a esperança
Porque só pedimos terra e paz
Pra nossas pobres - essas ricas crianças.


Eliane Potiguara, brasileira de ascendência indígena potiguara, foi indicada em 2005 para o Projecto Internacional «Mil mulheres para o Prémio Nobel da Paz». Escritora, poetisa e professora, é formada em Letras (Português-Literatura) e Educação. Fundadora do GRUMIN / Grupo Mulher-Educação Indígena, é membro de várias associações: Inbrapi, Nearin, Comité Intertribal, Ashoka (empreendedores sociais), Associação pela Paz, Cónsul de Poetas del Mundo. Trabalhou na ONU, em Genebra, em prol da Declaração Universal dos Direitos Indígenas. Publicou Metade cara, metade máscara (Global Editora) e O coco que guardava a noite. Foi-lhe atribuído o Prémio Pen Club de Inglaterra e do Fundo Livre de Expressão, dos Estados Unidos. In Flauta de Luz - Boletim de Topografia, n.º2, Março de 2014, pp. 71-72. Mais informações sobre Eliane Potiguara: aqui

1 comentário:

Anónimo disse...

Eliane Potiguara é imensa.
Saudações.
DRB.