quinta-feira, 5 de novembro de 2020

PALADAR

 


 
I
 
Estás indisponível,
sou o último nome
esboçado a lápis na tua agenda.

 
II
 
Abrir o sexo,
masturbar a tua ausência,
escolher um pesadelo
e adormecer.

 
III
 
Procurar-me-ás no outono
quando no coração houver
ferrugem.
 
No texto,
o paladar da época:
sangue e metal.

 
 
Nuno F. Silva (n. 1993), in Epilepsy Dance (DSO, Agosto de 2020). Publicou o primeiro livro, Flor de espinhos, com apenas 18 anos, mantendo uma inusitada regularidade desde então. Epilepsy Dance, na editora Debout Sur l’Oeuf, é o mais recente de 7 livros editados. Nos poemas deste livro a melancolia é um substância maligna que circula no sangue e corrói o corpo, diferente do estatuto de estado de alma mais ou menos momentâneo que geralmente encontramos na poesia de inclinação elegíaca. Uma pontuação desconexa acompanha os ritmos de um corpo em estado de dança epiléptica, evocação do modo de estar em palco de Ian Curtis, malogrado vocalista da banda britânica Joy Division. A morte e o suicídio são temas transversais, a par da solidão e de um erotismo sombrio mais evidente na segunda parte do livro. Hóspede Ausente e O Canibal de Memórias são dois conjuntos de poemas que se interligam, precisamente, por uma sensação de mal-estar que, ao invés do que é habitual, parte de uma noção de “corpo avariado” para a alma e não desta para aquele.

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