terça-feira, 2 de março de 2021

CHEESE CAKE (1962)

 


No interior diz-se que o tenor de Dexter Gordon soa como um condor a sobrevoar os Andes, comparação que impeliria um qualquer idiota a questionar-se sobre a que soará o voo de um condor sobre os Andes. Felizmente os idiotas só se questionam acerca do sentido de um verso, aceitando como credíveis as metáforas elaboradas no decorrer da fruição. Deus fala por glossolalias e não é raro rematar as conversas com citações cobertas de ironia, à semelhança do gigante Gordon que tinha a mania de inserir fraseados facilmente reconhecíveis e populares no meio de um solo. Uma marcha nupcial, por exemplo a de Mendelssohn, ou o parabéns a você no princípio, no entre ou no termo de uma pândega hard bop. Deve ser a isso que chamam intertextualidade, neste caso intermusicalidade. Quanto a deus é apenas glossolalia, a língua dos loucos. A gente pergunta a que soa o vento, eles respondem-nos que a bolo de bolacha. Se perguntamos a que sabe bolo de bolacha, dizem-nos que sabe a bege, ou seja, soa a marrom, isto é, a #964b00, se é que se pode dizer uma coisa destas num weblog. Há aquela fotografia de Herman Leonard que o mostra numa pausa para o cigarro durante uma actuação. Fico hoje a saber que o pai foi um dos primeiros médicos afro-americanos em Los Angeles. Duke Ellington e Lionel Hampton eram seus pacientes. Talvez por isso tenha ido parar à banda deste no início da carreira. Tudo se liga, é a vida. Depois vieram os duelos com Wardell Gray fixados no On The Road, de Kerouac. Heroína, prisão, incursões pelo cinema, 14 anos na Europa, para fugir do racismo, dizia ele, enfim, a vida de quem podia gabar-se de ter uma. Vai uma fatia de cheesecake?

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